Primeiro vamos tratar da isonomia. Segundo a regra geral, isonomia significa que todos são governados pelas mesmas leis, ao passo que para o ordenamento jurídico, seria o tratamento idêntico para pessoas que se encontram na mesma situação.
Nos últimos dias, muito tem se falado em isonomia e sobre pactos no futebol brasileiro. Tal debate surgiu a partir do momento que o Flamengo, apoiado na decisão do governo do município do Rio de Janeiro, decidiu retornar com o público parcial nos seus jogos como mandantes.
Estabelecida a diferença, que apesar de parecer sutil é na verdade abissal entre uma definição e outra, passamos a análise de algumas particularidades do futebol brasileiro.
Leia também: Flamengo se arrisca a ser eliminado da Copa do Brasil no “tapetão”; entenda
Podemos entender que juridicamente todos os participantes do campeonato brasileiro estão sob a égide do mesmo Regulamento Geral de Competições e do Estatuto do Torcedor?
Creio que a resposta a tal indagação é positiva.
Assim, por qual motivo um clube que paga rigorosamente em dia o salário dos seus atletas que participam da competição e outro que não o faz, não há manifestação da torcida imprensa ou do organizador do campeonato de que tal fato é considerado não isonômico?
Um exemplo, um clube contrata jogadores, ciente de que não poderá pagar, fica devendo salários ao longo da competição e termina em décimo segundo lugar, beliscando uma vaga na Sul-americana, ao passo que outro não contrata, pois sabe que não terá condições de pagar, e acaba ficando em décimo sétimo lugar, e é rebaixado, tendo ficado 3 ou 4 pontos atrás do décimo segundo lugar.

Temos isonomia neste caso? O tratamento dado aos clubes foi igual?
Parece claro que não houve tratamento isonômico, e aquele que gastou o que não podia acabou sendo premiado, ficando na primeira divisão, e por consequência, garantindo mais cotas de televisão e visibilidade, em detrimento daquele que está com suas contas em dia e acabou sendo rebaixado.
Relembre: Copa Mercosul, Pet e Zagallo: Relembre como foi o 11 de setembro de 2001 do Flamengo
Estabelecida a premissa, vamos ao caso que origina a presente reflexão. Há isonomia no Flamengo em voltar com o público e outros clubes não? Vamos relembrar o conceito jurídico, isonomia para os que estão na mesma situação. Assim, temos que fazer outra pergunta, o Flamengo está na mesma situação do Internacional, Corinthians ou Fortaleza?
A resposta é não.
E assim afirmo, pois neste caso o único clube que está na mesma condição do Flamengo é o Fluminense, na medida em que mandante dos jogos no mesmo Município e, portanto, sujeito às mesmas leis locais.
Não podemos esquecer que vivemos em uma federação, onde vigora a separação de poderes e o pacto federativo, que inclusive foi o que propiciou que lugares aplicassem restrições durante a pandemia, seja na forma de lockdown total ou parcial, ou o melhor, que os Estados e Municípios pudessem firmar pactos para a aquisição de vacinas e assim, iniciar a imunização dos seus moradores.
Não podemos esquecer outro ponto, a responsabilidade pela organização da partida e suas consequências é do mandante. Feita esta observação, o Flamengo está obedecendo a lei do local onde manda os seus jogos.
Cabe destacar que em 2019, o Palmeiras através de uma manobra, impediu que a torcida do Flamengo fosse ao Allianz Parque sob o pretexto de que poderia haver uma briga. A torcida do Flamengo não foi e a briga aconteceu, inclusive com cadeiras sendo arremessadas ao campo.
Ademais, o próprio Palmeiras, desde a gestão do seu ex-presidente Paulo Nobre, além de destinar apenas cerca de 5% dos ingressos para os visitantes, os situa em local do estádio que possui uma barreira visual. Isso é isonômico, considerando o conceito de que na mesma situação, os torcedores do Palmeiras viajam a outros Estados e possuem a carga de 10% e visão normal do campo de jogo?
Assim, está claro que os clubes devem seguir as diretrizes dos locais onde mandam seus jogos, vide o Atlético-MG que tem a possibilidade de levar público aos seus jogos, desde o jogo com o River pela Copa Libertadores. Aí aqui pode surgir o questionamento: e o pacto dos clubes? A palavra não vale?
Então vamos lá. Ao longo dos anos, pelo menos dos que acompanho futebol não vejo o cumprimento de pactos pelos clubes. Aqui não estou defendendo o não acordado, apenas ressaltando que esse é um dado histórico.
Leia mais: Alex surpreende e revela o que levou Flamengo ‘galáctico’ de 2000 ao fracasso
Afinal, alguém já se esqueceu da implosão do Clube dos 13 pelo Corinthians ao lhe ser prometido um estádio (palavras do ex-presidente do Atlético-MG – Alexandre Kalil no programa Bola da Vez da ESPN)?
Ou ainda o pacto mais célebre do futebol brasileiro, a realização da Copa União e o regulamento assinado pelas equipes?
Então, este pacto não foi cumprido, e todos que sentaram à mesa e deram o seu “de acordo”, pra usar um jargão popular, roeram a corda, e não deram nenhum suporte ao Flamengo e ao Internacional, que inclusive ficaram de fora da Copa Libertadores do ano seguinte, sendo que tinham times capazes de brigar pelo título de tal competição.
Aqui é imperioso destacar a postura lamentável do São Paulo Futebol Clube, que anos depois, poderia ter corrigido o erro histórico ao receber a taça das bolinhas, porém, simplesmente fingiu que não era com ele e que cumpria a decisão da justiça. E o pacto, o acordo, a palavra?
À vista disso, fica claro que a isonomia, no caso em apreço está sendo seguida, mas existem outros aspectos do referido princípio isonômico que são muito mais sérios e graves que são negligenciados pela torcida e, especialmente pela imprensa, como frisado acima, no caso da contratação de jogadores sem poder pagar, o que caracteriza vantagem esportiva em face daqueles que cumprem os seus deveres fiscais e trabalhistas.
O único pacto que se respeita no futebol brasileiro é o do clube que vem de outro estado poder utilizar o seu Centro de Treinamento nas vésperas de jogos, de resto, esquece. Temos que evoluir muito como sociedade, para que tal evolução seja transposta para os clubes.
Afinal estes e seus dirigentes são reflexo do mundo onde estão inseridos.
Rico Monteiro é advogado e músico. Twitter: @ricomonteiro21
Siga o MRN no X/Twitter, Threads, BlueSky e no Instagram.
Contribua com a independência do nosso trabalho: seja apoiador.
- Sofascore destaca números de Wesley com liderança importante
- Zico fará Jogo das Estrelas no Japão em 2025
- Meia do Internacional deve enfrentar o Flamengo no sacrifício
- STJD: Alcaraz está livre para jogar, mas Braz é suspenso e perde fim do Brasileirão
- Flamengo x Internacional: Rochet projeta dificuldades no Maracanã