Blog Cultura Rubro-Negra | David Butter — Flamengo contra River Plate (23/11/2019) foi o jogo que eu temia e o jogo com que eu nem sonhava. Temia um Flamengo abatido por um gol dos argentinos. Nem sonhava com um Flamengo capaz de fazer caber um épico na duração de um videoclipe. Aconteceu. Se um dia me esquecer de quem eu sou, que me contem de lá.
No campo, foram quatro partidas. Uma de sofrimento e de 0x1, até a entrada de Diego, aos 21 minutos do 2º tempo. Outra de resgate até o empate de Gabigol, aos 43 minutos. Uma terceira de abismo até a virada de Gabigol, já nos descontos. Uma quarta de transe, que, afirmo, dura até hoje.
Do mesmo autor: A Era de Ouro dos treinadores estrangeiros no Brasil
Na arquibancada, vi o verdadeiro percurso da fé, que não é o da convicção sem abalos. Senti. Neguei. Duvidei. E, por isso, acreditei — todos que estavam ali e todos que estavam voltados para aquilo ali decidimos, deduzo, acreditar. Acreditamos como um ato de vontade, como um raio num céu já quase sem nuvens — se confiamos, foi por desespero de causa, e é assim que se faz a fé dos vivos. A fé sem tropeços é uma fé sem caminho, a fé de figuras de papelão, a fé dos insinceros. Fomos sinceros. Voamos todos na parábola de Diego, meio campo sobrevoado em busca de um alvo.
Saí de Lima para percorrer o resto da minha vida de torcedor.
Sempre temi o destino de ser um morto soprado de inveja nas bancadas da eternidade, ressentido por um auge tardio do Flamengo, por um auge dos outros, pelo qual eu não poderia mais gritar. Depois de Lima, meu medo foi embora.
Virão outros picos, raiarão outras apoteoses, mas a memória de Lima será sempre minha, pois vivida. Se um dia me esquecer de quem eu sou, que me contem de lá.