O urubu do Flamengo é talvez um dos raros mascotes que, de cara, não evoca uma aura de heroísmo ou de positividade. Pelo contrário, embora seja uma ave que tem uma função importante para o equilíbrio dos ecossistemas, é via de regra, associado ao que é feio e sujo.
Desde pequeno e já rubro-negro, eu me indago do porquê o Flamengo ter adotado essa ave insólita como mascote. Lembro até que, ainda na infância, era frequente ver os adultos se referindo aos flamenguistas pejorativamente, chamando-os de “urubus”.
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Só adulto é que fui entender o real motivo para abraçarmos essa ave que, mesmo não primando pela beleza, tem tudo a ver com o Mengão.
Urubu do Flamengo, uma mascote repleto de mística
Existe uma versão relativamente conhecida para explicar a origem do urubu e a mística associada à ave.
Para quem não conhece, explico.
Entre metade da década de 1950 e 1960, o Flamengo vivia em meio a altos e baixos no futebol, até que, em uma partida contra o Botafogo, a sorte começaria a mudar. Falarei sobre isso mais adiante.
Até então, o urubu nada mais era do que um sinal de mau agouro, e tudo por obra de um famoso rubro-negro.
O pássaro necrófago tornou-se um símbolo da má sorte rubro-negra por ter sido referenciado assim pelo célebre locutor e flamenguista Ary Barroso, em contraste com o corvo, então mascote do Vasco.
Vamos lembrar que, até ali, os mascotes dos clubes do Rio eram personagens simpáticos, como o cartola, do Flu, e o Pato Donald, do Botafogo. O do Flamengo era o marinheiro Popeye, todos ideia do cartunista argentino Lorenzo Molas.
Por volta de 1947, outro cartunista, Otelo Caçador, sugeriu que se adotasse o corvo como mascote do Vasco, em alusão à sua perspicácia, astúcia e inteligência.
Era a época do “Expresso da Vitória”, apelido dado ao forte time da colina que ganharia em 1948 o sul-americano de clubes, considerado o embrião da Libertadores.
E o Flamengo? Bem, o Flamengo amargaria alguns anos sem títulos depois do segundo tri em 42-43-44, voltando a ser campeão apenas em 1953.
Foi nesse contexto que surgiu o urubu, graças a uma publicação no Jornal dos Sports na qual Ary comentou despretensiosamente que, se o Vasco tinha o corvo, o Fla tinha o urubu, em alusão a má fase do time.
Mas por que o mascote do Flamengo é o urubu?
Desde então, os adversários não pararam de pegar no pé dos flamenguistas, que passaram a ser conhecidos como “urubus”.
A moda pegou e, até a década de 1960, a torcida do Flamengo sofria com a pecha preconceituosa e algo racista criada pelos rivais, involuntariamente reforçada por Ary Barroso.
Foi quando outro artista rubro-negro, o cartunista Henfil, decidiu subverter aquela lógica ofensiva.
Em 1967, ele seria contratado pelo Jornal dos Sports (sempre o Cor de Rosa!) para escrever em uma coluna chamada “Dois Toques”.
Era uma espécie de repaginada do que Mollas fez anos antes, como forma de instigar a rivalidade entre as torcidas e, claro, promover o jornal.
O que poucos sabem é que o urubu era até então o mascote não do Flamengo, mas do Atlético-MG, como conta o Blog do Fla, mas em uma versão branqueada.
Após vir para o Rio, o mineiro Henfil reinventou o urubu, que ganhou uma versão negra para o Flamengo. Foi nessa mesma época que o bacalhau passou a ser usado para referenciar os vascaínos.
O jogo do Urubu
Mas a grande virada para o urubu veio em 1969.
Naquele ano, o Fla enfrentaria o Botafogo em um duelo pelo campeonato estadual, com amplo favoritismo alvinegro, que não perdia há quatro anos.
Foi quando Luís Otávio Vaz Pires e Romílson Meirelles, rubro-negros moradores do Leme, tiveram uma ideia: por que não acabar de vez com essa história de urubu, levando um de verdade para o Maracanã com a bandeira do Flamengo pendurada?
Eram tempos românticos, em que as pessoas iam para o estádio sem precisar serem submetidas a revistas por parte da polícia. Não foi difícil catar um urubu no aterro sanitário do Caju e levá-lo para a arquibancada.
“A gente já não aguentava mais ouvir o coro das outras torcidas, chamando a gente de urubu, porque tinha muito negro na torcida do Flamengo, e tivemos a ideia de levar um urubu. Na época, não havia revista de torcedores na entrada do estádio. E só podia ser com o Maracanã lotado, como estava naquela tarde”, contou Romilson ao jornalista Deni Menezes.
Com a ave dominada, Luís e Romilson cumpriram o que haviam prometido, soltando-a no campo antes da entrada dos times com a bandeira do Fla presa nas patas.
A torcida imediatamente entrou em êxtase e o grito de urubu, que antes ecoava do lado de lá, passou desde então para o nosso lado.
O Emmanuel do Valle conta lindamente essa história, em um post sensacional no seu blog Flamengo Alternativo.
Qual era o mascote do Flamengo antes do urubu?
O primeiro mascote do Flamengo, pelo menos tal como entendemos hoje, foi o Popeye, que, como vimos, foi uma ideia do cartunista Lorenzo Mollas.
Não é difícil entender o porquê dessa associação, afinal, na década de 1940, o Flamengo já era conhecido pela sua tenacidade em campo e pela capacidade de reverter as adversidades, como faz o personagem do desenho animado.
Outra razão para associar o marinheiro ao Flamengo é a sua ligação com o mar, uma óbvia alusão ao termo “campeão de terra e mar” usado para se referir aos clubes que praticam remo e futebol.
É curioso que uma mascote tão identificado com o Flamengo não tenha caído nas graças da galera. Já me fiz essa pergunta algumas vezes e, de tanto matutar, acho que encontrei algumas hipóteses.
Talvez a primeira delas seja a falta de sonoridade da própria palavra “Popeye”. As torcidas brasileiras, em geral, sempre foram muito onomatopaicas em sua maneira de apoiar e, no caso de uma mascote, acredito que essa seja uma condição para ele ser aceito.
Urubu, no caso, popularizou-se muito rapidamente, em grande parte pela facilidade de rimar a palavra com os mais variados gritos e xingamentos, como você deve estar pensando agora.
Outra possível razão é que o Popeye não é uma criação nossa. Ainda que arquetipicamente ele até se identifique com o Flamengo, trata-se de um produto estrangeiro.
Evoco aqui mais uma característica de nossas torcidas, que sempre foi a de adotar símbolos que remetam à cultura brasileira em suas simbologias e cânticos.
Prova disso são os sambas-enredos que sempre embalaram a maioria dos gritos nos estádios. Embora haja sempre exceções, como o Iron Maiden usado pela torcida do Vasco (e que mesmo assim não é considerado mascote do clube).
O que o urubu tem a ver com o corvo do Vasco?
Os vascaínos acham que foram eles os primeiros a aceitarem negros nos seus times, como acham que o urubu foi uma apropriação do corvo.
Nada mais falacioso, já que, como vimos, o que a torcida do Flamengo fez foi apenas subverter a lógica por trás de um símbolo que, durante muito tempo, representou mau agouro.
Além disso, a conversão do urubu em mascote não foi engendrada pelo clube, mas pela mídia esportiva. Esse esforço, por sua vez, dependia da aceitação da parte interessada mais importante, que é a torcida do Flamengo.
Isso sem contar que o corvo, por razões que nem os vascaínos conseguem explicar, foi pouco a pouco sendo abandonado, facilitando ainda mais a popularização do urubu.
Como desenhar o urubu do Flamengo?
Assim como o escudo, o urubu do Flamengo foi se reinventando com o tempo.
Existem diversas versões do mascote, algumas delas sucesso entre as crianças, como os mascotes Samuca e Samuquinha.
O urubu hoje é tão icônico que desperta até o lado artístico de alguns rubro-negros que usam seu talento para desenhar o mascote. Veja no vídeo abaixo de como fazer.
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