Como parte das comemorações dos 34 anos da conquista do Mundial de 1981 pelo nosso Mengão, pensei em escrever um pouco sobre como o Flamengo chegou até o fenomenal 13 de dezembro de 1981, em Tóquio.
Não, não estou falando do gol do Rondinelli, ou das campanhas no Brasileiro de 1980 e na Copa Libertadores de 1981. Vocês já pararam pra imaginar o perrengue que deve ter sido sair do Rio de Janeiro e chegar na capital japonesa no início da década de 80? Aviões mais lentos, menos conforto… Fato que não foi uma viagem simples e que não seria fácil.
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Além da longa distância (lembrando que a viagem que os ingleses do Liverpool fariam seria bem mais curta e com menor efeito de fuso-horário), o Flamengo embarcaria no dia 7 (segunda-feira) para o jogo mais importante de sua história apenas um dia após uma desgastante final de Estadual contra o Vasco (no dia 6, vitória de 2×1, Adílio e Nunes, e mais um título).
Aliás, os últimos 35 dias daquela temporada incluíram 11 jogos (com as finais de Libertadores e o histórico 6×0 no Botafogo) em quatro países diferentes. Soma-se a isso tudo o episódio da morte de Cláudio Coutinho.
Com toda certeza, a maior preocupação do novo técnico Carpegiani não era de fato treinar a equipe, mas sim descansar os jogadores, física e psicologicamente, depois de uma longa temporada. E foi bem por aí.
Para facilitar a adaptação ao fuso-horário, o planejamento do Flamengo incluía alguns dias em Los Angeles, nos Estados Unidos, de onde partiria o voo que finalmente levaria nosso time pro Japão. Caso a viagem fosse direta para Tóquio, nosso esquadrão teria que encarar gostosas VINTE E OITO HORAS de viagem.
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Nada convidativo pra quem iria encarar o campeão europeu em poucos dias, né? O voo para os EUA ainda incluiu uma escala em Lima, no Peru (como se a viagem não fosse desgastante o suficiente), totalizando 18 horas. Adílio, com aval da comissão técnica e do grupo, viajou pouco depois e encontrou com a delegação nos EUA, pois se casou logo após a final do Estadual.
A delegação ainda contava com Anselmo que, suspenso após a agressão a Mario Soto na final da Libertadores, não poderia jogar – o que não o torna menos campeão do mundo do que ninguém da delegação rubro-negra.
A estadia foi no Hotel Inn Hollywood, que está em funcionamento até hoje! Fica a mais ou menos meia hora do Aeroporto Internacional de Los Angeles. Hoje é um dois estrelas simples, mas arrumadinho, bem no centro da cidade.
Uma localização boa pra escapar do trânsito até a Hollywood High School, a escola secundária que seria o local de treinamentos do time, que ficava a 15 minutos apenas do hotel. Nessa escola, como poderíamos esperar, estudaram diversas estrelas do cinema mundial, como James Garner, Laurence Fishburne, Ricky Nelson, Jane Fonda, entre outros.
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O gramado da Hollywood High nem ao menos tinha as marcações do futebol, e teve de ser adaptado. Hoje em dia, o campo serve como centro de treinamentos do time de futebol americano da escola, que curiosamente é conhecido como “Os Sheiks” (curioso tanto pelos problemas políticos entre os EUA e países islâmicos quanto pela coincidência do apelido do nosso atual camisa 11).
Além dos treinos leves, o elenco aproveitou pra tirar o que seria a foto oficial do título (a que abre esse post). Além do bate-bola, que não contou com alguns jogadores poupados, inclusive Júnior e Figueiredo (que não conseguiu jogar a final e deu lugar a Mozer), rolou um jogo treino com alguns alunos do colégio, que acabou interrompido após o Flamengo chegar rapidamente ao décimo gol da atividade.
Os poucos treinos na Califórnia serviram apenas para soltar a musculatura, mas o foco de relaxar os jogadores não foi deixado de lado: o elenco foi liberado praticamente todos os dias para rodar Los Angeles e conhecer a capital mundial do cinema. O livro “1981 – O Ano Rubro-Negro“, de Eduardo Monsanto, cita:
“Nunes, fã de cinema, ficou empolgado ao conhecer a Calçada da Fama em Hollywood. Leandro circulava pela cidade quando passou por um estúdio de tatuagem. O cabofriense entrou e pediu ao tatuador que desenhasse um peixe em seu braço, um pouco abaixo do ombro. A passagem por Los Angeles ganhava uma lembrança eterna.”
Mozer e Figueiredo, mais tarde, foram arrastados por Leandro pra fazerem a mesma tatuagem no mesmo estúdio. Zico e Adílio, os únicos a levarem suas esposas, e o resto do elenco chegaram a visitar a Disney World, o que rendeu fotos incríveis! Vamos lá: quando que você esperava ver na mesma foto Zico, Tita e… Pateta?
O voo pro Japão, na quinta-feira, ainda rendeu mais um hilário episódio. Sem nenhum atleta acostumado a tão longa viagem, nosso artilheiro das decisões, Nunes, foi o autor da pérola: “Já estamos aqui dentro há mais de dez horas! Quando vai aparecer a lua???” pra matar de rir jornalistas e membros da comissão técnica e jogadores presentes no avião.
Como se não bastassem as constantes brincadeiras com o meia-atacante Peu, principal alvo do elenco. Peu ostentava um senhor bigode, clássico na época, e foi alertado por Júnior e demais colegas, de que não deixariam ele entrar no Japão com aquele visual.
Sem questionamentos, Peu raspou o bigode no banheiro do avião, pra matar todos de rir. Bom, acabou dando sorte!
Na capital japonesa, o Flamengo se hospedou no Takanawa Prince. Apesar de bem próximo do aeroporto internacional, o trânsito em Tóquio era um verdadeiro inferno na época. O trajeto que hoje pode ser feito facilmente em menos de meia hora, levou mais de duas em 1981.
Entretanto, os apenas sete quilômetros que separavam o hotel do estádio justificavam a localização. Já era sexta-feira, e o objetivo do dia era descansar das adicionais dez horas de viagem entre Los Angeles e o Japão. Os jogadores, que não são bobos, saíram para turistar.
Anselmo, sem a pressão de ter que enfrentar os ingleses no domingo, adquiriu sua câmera fotográfica (artigo caríssimo e pouco acessível na época) e se tornou o fotógrafo oficial da delegação.
Em Tóquio, o Flamengo fez um único treinamento de reconhecimento no Estádio Nacional, palco da decisão, na véspera da partida. O estádio foi inaugurado em 1958 para ser o principal palco das Olimpíadas de 1964.
No início de 2015, o estádio foi demolido para ser completamente remodelado, visando o Mundial de Rúgbi em 2019 e, claro, os Jogos Olímpicos de 2020, num orçamento previsto de US$ 1 bilhão.
A partida, bem, vocês sabem. É história.
O voo de volta obviamente foi muito mais leve e tranquilo. Júnior, como não podia deixar de ser, puxava o samba e a festa com as taças com Zico e cia. Mas o elenco se dividiria. Enquanto parte voltaria para o Brasil, outra parte aproveitou a viagem e emendaram alguns dias no Havaí!
O que não foi o caso de Leandro, que afirmava que “o Havaí dele era Cabo Frio, sua cidade natal”. Hospedados em Waikiki, capital da ilha, Adílio e os demais jogadores aproveitaram as praias e apresentaram o futevôlei e o samba para os havaianos, naquela farra convencional. Convenhamos: férias merecidíssimas!
O carnaval rubro-negro ainda se estenderia no Rio de Janeiro e nos quatro cantos do Brasil. O único clube carioca campeão do mundo estava de volta pra casa, nos braços da Nação!
Eu (e muita gente que é viciado em viajar) costumo dizer que viagem é uma coisa que você coloca dinheiro e sai mais rico. Seja por causa de uma experiência, uma atração qualquer, um restaurante, até mesmo uma tatuagem (né Leandro?).
A viagem que acabei de relatar, parando pra pensar, foi a mesma coisa. Saímos do Brasil como um novato campeão da Libertadores e voltamos como os maiores do mundo. Hoje, ser a referência do futebol no mundo, o exemplo, para nós rubro-negros, não é um sonho. É apenas uma viagem que queremos repetir. Já sabemos o caminho.
Ainda sobre o assunto, recomendo o texto do Francisco Moraes, conhecidíssimo torcedor do Flamengo que escreve em seu site História de Torcedor, contando como ele e amigos fizeram pra chegar em Tóquio.
Espero que tenham curtido essas histórias da viagem mais importante que o Flamengo já fez. Se os ingleses do Liverpool ficaram imaginando que, para serem atropelados daquele jeito, nosso time treinou duro na semana que antecedeu o jogo, bom… Não precisaram!
Saudações Rubro-Negras!
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