Com a partida do ídolo e toda sua comissão técnica, Seu Jorge ficou triste, alternando momentos de raiva e de gratidão, ante o adeus repentino do seu xará
Blog Ficou Marcado na História | Allan Titonelli – Twitter: @AllanTitonelli
Todo Flamenguista se acostumou com a bipolaridade e os excessos de sua torcida. Na vitória é o melhor time do mundo, mas na derrota somos os piores, troca tudo.
Seu Jorge é um exemplo típico desses. Para ele JJ, seu xará, é um semideus. Estava até cansado de tanto sacanear os rivais cariocas, ante as inúmeras conquistas recentes. Todavia, com a partida do ídolo e toda sua comissão técnica ficou triste, alternando momentos de raiva e de gratidão, ante o adeus repentino.
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Enquanto a novela da contratação do novo técnico se arrastava ficou mais animado com os portugueses, Jardim e Carvalhal. Afinal, eram conterrâneos do Mister, o que trazia uma ilusão de que poderiam fazer o time vencer à moda do antecessor.
Contudo, com a negativa de ambos, havia sobrado Domenèc Torrent, um espanhol, ou melhor catalão, da escola de Pep Guardiola. Seu Jorge, porém, torceu um pouco o nariz, dizendo que não queria essa coisa do toque de lado, pois já tinha se frustrado com o estilo “arame liso” de Zé Ricardo e Barbieri. De outro lado, o noticiário positivo, exaltando as conquistas de Dome, ao lado de Pep, fez acalmar seu coração.
No primeiro jogo, contra o Atlético Mineiro, chegou a ficar bravo com as chances perdidas pelos jogadores, mas meteu o pau em Torrent pela tal da “pirâmide invertida”, com 5 atacantes. “Esse catalão está inventando moda.”, dizia ele. Continua: “Já no primeiro jogo quer desestruturar o time vencedor de Jesus.”
Veio a catástrofe contra o Atlético Goianiense, e Seu Jorge vaticionou: “Pode mandar embora. Esse não entende de Flamengo. Catalão sem sangue, sem vociferar a beira do campo, escalando Rodrigo Caio de lateral, e mudando completamente a forma de jogar do time vencedor, nunca que vai dar certo aqui.” Sua indignação era grande, pensou até em tentar fazer uma vaquinha junto à torcida do Flamengo para ver se não conseguia um caminhão de dinheiro para trazer o Mister de volta.
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A vitória contra o Coritiba amenizou um pouco sua indignação, embora não tenha se convencido de qualquer qualidade de Dome. Os empates contra o Grêmio e o Botafogo intensificaram ainda mais sua insatisfação. “Nosso time perdeu o encanto com esse catalão, como ele conseguiu destruir o jogo de JJ em poucas partidas? Nos tornamos um time espaçado, sem sangue, além perdermos muitos gols.”
Após uma semana inteira de treinamento, o sobrinho de Seu Jorge, Leandro (nome dado em homenagem ao maior lateral de nossa história), chama o tio para ver o jogo em sua casa. O tio, reticente, diz: “Eu já havia prometido não assistir mais nenhum jogo com esse catalão como técnico, mas como é um convite seu eu vou.” O sobrinho prepara um churrasco daqueles, tentando acalmar o tio.
Chega o grande dia, Seu Jorge lembra que na época do Mister se sentava em frente à TV tendo certeza da vitória, coisa que havia ficado no passado. Vociferou ainda: “Estamos atrás de todos os nossos rivais cariocas. Que vergonha!!!” O sobrinho lembra que os jogos contra o Santos sempre são duros, e que até o time de Jesus tinha tomado uma goleada na Vila. Seu Jorge torce o nariz, um hábito antigo para demonstrar desprezo, e retruca: “Vamos ver o que esse catalão vai fazer hoje então.”
O time começou tomando um vareio do Santos, ante a velocidade e dribles de Marinho e Soteldo, faz dois gols que são anulados pelo Var. Seu Jorge solta: “Tá vendo. Eu não disse que esse time do catalão é uma merda! Estamos tomando um vareio de bola. Inventou moda de escalar o Renê na direita e ainda deixou nosso miteiro no banco. Assim não dá!!” O sobrinho lembra que Michael perdera um gol de cara, antes das chances do Santos, o que poderia ter mudado a dinâmica do jogo.
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O jogo continua, com o Flamengo não se encontrando na defesa, mas fazendo uso de um contra-ataque perigoso. Assim, em uma roubada de bola de Gabigol avança rápido, toca para Michael e recebe de volta para abrir o placar. Todos pulam e gritam gol. Mas Seu Jorge logo lembra que não gosta do catalão, e diz: “Demos uma sorte danada. Nosso time não impõe medo em mais ninguém. O Santos só tomou esse gol porque avançou demais.”
Vem o segundo tempo e o Flamengo se apresenta mais organizado, conseguindo um equilíbrio melhor entre os setores, mas ainda longe daquela intensidade do time de JJ. Gabigol ainda perdeu dois gols incríveis. No primeiro susto que o Santos dá Seu Jorge emenda: “Está vendo, podemos perder esse jogo a qualquer momento. Esse time do catalão não passa confiança.” O sobrinho Leandro recorda que a última vitória na Vila tinha sido em 2011, naquele antológico jogo (5 a 4), confrontando o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho e o Santos de Neymar. E que a penúltima vitória tinha vindo no Brasileiro de 2009, com gol de Adriano, ano em que o Flamengo findou um longo jejum, e ganhou o título nacional. Sugerindo que o resultado poderia ser um bom presságio para o time de Dome.
Na TV o comentarista lembra que o Flamengo de Dome, segundo o Sofascore, é o time que mais criou grandes chances (19) no Brasileiro 2020, mas também é o time que mais perdeu grandes chances (16), com taxa de conversão de apenas 16%. Seu Jorge não perde tempo e comenta: “Está vendo, se fosse o time de JJ tinha feito esses gols todos ae!!” O sobrinho Leandro, sem entrar em confronto com o tio, questiona se a culpa dos gols perdidos não seria dos jogadores. Silêncio, Seu Jorge muda de assunto, e comenta que a carne estava muito boa.