Ver seu time em uma final de Mundial de Clubes já não é pouca coisa. O fazer 38 após a primeira e única participação, então, é mais histórico ainda. O MRN conversou com quatro fanáticos que enfrentaram suas sagas para estarem em Doha e pedirem o mundo de novo.
Localidades, classes sociais e raças distintas mas uma grande característica em comum: o amor pelo Flamengo. Lucas Dantas, Lucas Pimenta, Marcio Castello e Pablo Galdencio levaram a sério o mantra “onde estiver estarei” e presenciaram esse momento histórico, in loco…
A ida
Cada um com sua narrativa. Uma não menos importante que a outra. Marcio Castello, por exemplo, tem um “contrato pré-nupcial” com o Flamengo. A cláusula mais importante? “Ir a todos os jogos do Flamengo que eu considero importantes”. Empresário, ele deixou o gerente cuidando dos negócios para viajar alguns bons quilômetros para acompanhar o Mengão, algo que já está intrínseco na sua rotina: “Esse ano, na Libertadores, só não fui ao jogo no Uruguai. Fui a todos os outros! Não tinha como eu ficar de fora do Mundial”.
Do acordo pré-nupcial do Marcio para um dos amores que une Lucas Dantas e sua esposa. Ele, “ainda sub-20”, conheceu sua atual companheira nos idos de 1996 e, desde então, uma promessa persistiu. Casar? Ter filhos? Viagem num cruzeiro? Talvez… Mas, nesse caso, fazer o possível para ir ver o clube do coração em uma final de Mundial: “A gente falava que venderia o carro, órgão, o que fosse… Então fizemos um pacto: quando o Flamengo chegasse (no Mundial), nós iríamos de algum jeito, sejam os dois ou um de nós”. Dantas foi… Sem a esposa, que ficou no Brasil cumprindo “uma missão importante.
Agora pensa aí se, às vésperas de um dos jogos mais importantes da história de um clube e de um ser humano, você estar enlouquecido para ir ao estádio mas não ter como comprar o ingresso? Com Pablo Galdencio foi assim… Anos e anos de dedicação ao Flamengo e uma dificuldade imensa para viver um sonho em terras catares. O esforço foi tanto que um amigo ou, nas palavras dele, “um anjo do céu” o presenteou com o ingresso!! Pensa que acabou a história?
Pablo não tinha passaporte. Como fazer uma viagem internacional sem isso? O cara correu contra o tempo mas enfrentou outro empecilho: não tinha o certificado de reservista, documento fundamental para um homem conseguir o documento. Até a quarta da semana da final (17) ele ficou em cima da Junta Militar e Polícia Federal até conseguir um certificado provisório e, posteriormente, tirar um passaporte emergencial. Um trâmite que durou insanas 48 horas!
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Quem não deveria ter enfrentado muito problema é Lucas Pimenta, que mora em Dubai, um perto que se tornou longe por conta de embargos que o Qatar impôs a alguns países do Oriente Médio, inclusive para os Emirados Árabes Unidos, ou seja, não havia como ele fazer um voo direto, sem grandes problemas ou muita demora. Lucas teve que fazer conexão no Kuwait e, de lá, voou para Doha: “Mal comparando foi como fazer um trajeto Rio-São Paulo com uma escala em Fortaleza”. Pra completar as complicações impostas pelo embargo, o celular tinha “um belo peso de papel”, já que o chip não funcionava. Lucas precisou comprar um chip novo para encontrar os amigos na sede do Mundial.
A impossibilidade de você ir de Dubai para Doha foi tema, também, de história tristes que Marcio ouviu durante o voo Vitória-São Paulo-Doha: “Ouvi histórias tristes de pessoas que não entraram (no avião) por problema com validade no passaporte e de outras que compraram passagem pra Dubai sem saber que a fronteira está fechada”.
Casos assim aumentam o previlégio de quem pôde acompanhar um momento histórico in loco. Ser Flamengo é sofrer, mas também é rir, pular e chorar de qualquer canto do mundo. Para aqueles que ficaram no Brasil, os deuses do futebol certamente preparam momentos especiais…
A Nação em Doha
“A temperatura está boa, comida gostosa… Foda é que a bebida só é vendida nos hotéis. E é muito cara!”, diz Marcio, já em Doha. Segundo ele, os anfitriões pareciam estar gostando das festas nas ruas.
Pablo, por sua vez, disse que foi um “baque” logo de início, pois as pessoas são muito sérias, ao contrário do Rio de Janeiro, onde mora. Do povo local, sentiu indiferença nas ruas, mas nos pontos turísticos todo mundo foi muito bem tratado. Além disso, se disse impressionado com a organização e riqueza da cidade. Sobre a comida: “Não tive coragem… comida muito forte, muita pimenta. Tô comendo lanche e o famoso ‘podrão’ por aqui”.
Lucas Pimenta, que vive uma cultura semelhante, ressalta a paixão que os árabes têm pelo futebol, apesar de salientar suas distinções.
“Árabe é um conceito muito amplo. Você tem o árabe do Marrocos, que tem uma relação com o futebol muito raiz, onde os caras têm os próprios times e apoiam e vivem igual a gente vive no Brasil. Tem os egípcios, que é uma experiência diferente que, apesar de terem os times locais, esses não têm performance muito boa, então eles acompanham muito o futebol europeu… No geral curtem muito os jogadores famosos e são fanáticos por futebol”, conta e conclui: “jogam muito mal inclusive”.
Em relação a Doha, ele compactuou tanto com Marcio quanto com seu xará de sobrenome Dantas: “Pelo que vi até agora, todo mundo parece muito feliz de estar sediando o evento. Peguei um metrô pra ir assistir a semifinal (Flamengo x Al-Hilal) e a galera tava ‘aloprando’ e os locais estavam sorrindo e filmando. Os flamenguistas são muito simpáticos, usando roupas típicas… Um clima bem feliz”.
Estrutura e organização
Doha será uma das cidades-sede da Copa do Mundo de 2022 e eventos como o Mundial de Clubes servem como teste. A cidade, segundo Lucas Pimenta, correspondeu:
“O acesso ao estádio Khalifa é muito bom. Próximo ao metrô, assim como o Maracanã. Tem uma área de isolamento em volta do estádio, que te permite acessar as categorias e os portões específicos do seu ingresso. Não vi nada de errado na logística. Até mesmo os bares estavam com filas razoáveis e o atendimento era bom”, afirmou.
Flamengo x Al-Hilal
Antes da estreia do rubro-negro na competição após 38 anos, houve concentração da embaixada Fla-Qatar. Marcio considerou a experiência algo sensacional: “Havia uns 2 mil rubro-negros no bar, fora a galera que não conseguiu entrar”, conta ele, que logo após a festa foi de metrô para o estádio.
Dentro de campo o Flamengo começou muito mal e terminou o primeiro tempo atrás no marcador, fora as diversas chances que cedeu. Parecia muito com o jogo contra o River Plate, na final da Libertadores. Na etapa final, contudo, tudo mudou e Arrascaeta, Bruno Henrique e Al-Boleahi (contra) viraram o placar para o Mais Querido. A reviravolta, no entanto, não teria ocorrido não fosse a união da torcida no intervalo.
Os torcedores ficaram distantes uns dos outros e, ao fim dos 45 minutos iniciais, a Nação quebrou o protocolo e se uniu na arquibancada.
“Eu fui com três amigos e cada um ficou em categorias diferentes. Eu fiquei onde a bateria estava, logo atrás do gol, e a gente percebeu que a torcida precisava apoiar mais. Só que tava difícil, pois a galera tava muito espalhada no estádio”, conta Lucas Pimenta.
“Nós ficamos chamando pra todos virem e o pessoal foi chegando”, relatou Pablo. Uma dessas pessoas foi o Marcio, que contou como o clima mudou no segundo tempo:
“No primeiro tempo assisti no meio do estádio. Aí no segundo tempo, vi uma galera indo em direção à torcida atrás do gol e fui também. Inicialmente o clima parecia de amistoso, depois foi outro clima… um clima de decisão”.
A união foi fundamental para o time alcançar a virada e a classificação para a tão sonhada final. “A galera do barulho puxou o time no segundo tempo, vibrou bastante, mas sentiu o golpe na primeira etapa. Depois do empate cedo, aí ninguém segurou”, contou Lucas Dantas.
Derrota para o Liverpool, orgulho e gostinho de quero mais
Perguntei se valeu a pena enfrentar toda a saga e voltar sem o tão sonhado troféu. Termino essa reportagem somente com as falas deles e com a certeza de que, em breve, teremos uma nova chace de ter o mundo de novo.
Marcio Castello:
“Uma das coisas que mais gosto é ver o Flamengo jogar fora do país. A torcida do Flamengo deu um show lá. E não faltou entrega do time, não faltou raça. Não é isso que a gente sempre pede?
A frustração é que se a gente tivesse mais um pouquinho de sorte, dava pra ter ganhado. Mas sem dúvida alguma, perdemos pro melhor time do mundo. Sempre reclamei que o esporte praticado na Europa era outro. Hoje nós estamos jogando o esporte que é praticado lá”.
Lucas Dantas:
“Claro que valeu. Tanto valeu que repetirei. Me despedi do Flamengo de 2019 com um grande jogo, uma partida que se tornou histórica, mesmo com a derrota. Foi o final de uma campanha onde time ganhou a Flórida, o Rio, o Brasil e a América. Faltou o mundo, mas é algo que jamais será apagado e dificilmente igualado ou superado.”
“Quando acabou o jogo eu estava triste, sim, mas logo passou. Fiquei orgulhoso do time pelo ano, da torcida pela paixão demonstrada, de mim mesmo, por ter realizado um sonho que tinha há muito tempo e também por ter visto de perto excepcionais jogadores do time inglês, como amante do futebol que sou. Em 2020 o Flamengo irá repetir e eu provavelmente também. Além do Mundial de 2021, que já entrou na fila.”
Lucas Pimenta
“Valeu a pena, claro! O jogo foi bom e nos sentimos no próprio Maracanã. Faltou o título mas acredito que todo rubro negro de lá saiu de cabeça erguida. Ano que vem tenho a certeza de que estaremos lá e dessa vez o título vai vir!”.
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