E daqui a 15 anos, quando eu for metido a cronista no Mundo Rubro Negro, não vou pesquisar os melhores momentos, para que as palavras tragam apenas a essência da lembrança sincera.
Certo domingo, certo mês (provavelmente novembro), 2004.
O verão se aproxima, mas o céu está nublado. Tenho medo até de olhar aquelas nuvens e achar o desenho do logo da RedeTV. Está difícil pensar em outra coisa, principalmente se conformar com uma certa ameaça se tornando fato.
Minhas férias escolares também estão batendo minha porta. Apesar disso, nenhuma criança de 9 anos quer que a segunda chegue.
Armagedon
Segunda? Não, não, por favor…
Segunda-feira, cara.
Ah sim. É, realmente, hoje é domingo.
Rotina básica: Esporte Espetacular, alguma prova de ciclismo/triatlo/bocha ao vivo, uma reportagem emocionante sobre um duende escandinavo, que realizou seu sonho de praticar bodyboard com a Glenda Kozlowski na Costa do Sauípe; Turma do Didi, é hoje que o Jacaré consegue sacaneá-lo? Não deu, o véio já apareceu com o extintor de incêndio zoando todo mundo.
Tudo acompanhado do almoço da vovó. Acho demais!
Leia mais do autor: Calos, não cicatrizes
Vai começar Temperatura Máxima. Não tenho paciência pra ver filme, vou jogar ping-pong sozinho com a parede no quintal.
O filme é Armagedom, ou algum outro sobre um desastre que vai destruir a humanidade, mas no fim algum careca fortão morre pra salvar o mundo e a família ser condecorada na Casa Branca.
Não verei. Pouparei minha cota de terror pras 16h.
Expectativa? Quem dera. Estou com medo, e muito. Última vez que me animei antes, tomamos de 6 do Atlético. Neste ano, acho que já era.
Acabou, o mundo foi salvo. Não o meu, ainda.
Hora do Faustão. Uma horinha inútil de programa antes do jogo, juntando algum cantor badalado que há tempos não lança um hit – pode fingir que é o Leonardo, talvez até seja mesmo -, com algum recém-estourado, cuja música toca na novela.
Minha partida com a parede continua mais interessante.
Ganhei dela. Jogo muito.
Ué, 15h já, vai pro trabalho hoje não?
– Não, pedi folga, vou ver o jogo do Mengão.
Pelo menos meu tio é consciente. Já que me fez ser alucinado com isso deste cedo – me acordou gritando o gol do Lê quando eu só tinha 4 anos -, vai compensar sofrendo junto comigo.
Faltam quatro rodadas. Duas delas são contra Palmeiras e São Paulo, os dois fora de casa. Ainda tem o Cruzeiro no final. Eu não quero ir pra Série B, cara. Não mereço, pô. Sou novo nisso ainda. Seis meses atrás, já estava contando com o título da Copa do Brasil e a vaga na Libertadores, agora vou pra Segundona?
Lembrarei só dos gols, e olhe lá
Chegou a hora. Visto minha camisa falsificada de 2001 – modelo usado até então – escrito “Mengo” no formato do símbolo da Nike. Juro que é oficial.
Começa o jogo. Os lances acontecem. E daqui a 15 anos, quando eu for metido a cronista e relembrar este desespero no Mundo Rubro Negro, não vou pesquisar os melhores momentos, para que as palavras tragam apenas a essência da lembrança sincera. Lembrarei só dos gols, e olhe lá.
Jean tenta o chute, a bola desvia e sobra pro Ibson dentro da área. Saco!
Intervalo, estamos ganhando do Palmeiras lá dentro, mesmo os caras estando no G4. Sabe o que isso quer dizer? Nada.
É jogo de fora de casa. Se aqui no Rio já está difícil arrumar algo, imagina saindo. Vou nem me empolgar.
Foi assim contra o Atlético-PR e tomamos a virada a partir dos 41 do segundo tempo. Nas únicas vitórias longe daqui, a Globo nem transmitiu.
Uma foi contra o Guarani, gol do Ibson, numa quinta-feira, ouvimos no rádio; outra contra o São Caetano, gol do Dimba de pênalti, vimos na Record, pois o canal 4 estava mostrando o encerramento das Olimpíadas.
Nosso time é horrível
Aquele gol do Ibson também foi à direita da cabine de TV, assim como hoje, com este uniforme, contra um time verde e branco. É, vai que…
Não, Léo. Não viaja. Não dá, nosso time é horrível.
Magrão traz pro meio, chuta fraco, bola nas mãos do Júlio. Frangaço, 1×1.
Tá vendo? Não dá! O time faz de tudo pra se prejudicar, quer ir pra vala.
Agora vão pressionar e virar o jogo. Já vi esse filme, e não foi só uma vez, nem duas.
Será? Será?
GOL!!!!!!
Cruzamento de China, Athirson de cabeça.
Tem mais uns minutos, domínio dos caras. Ou não, pode ser coisa da minha cabeça, por mero trauma, e o jogo estar controlado.
Ganhamos! Fora de casa! Eu não acredito! Isto é mais raro do que vendedora de brigadeiro fazer aula de tênis.
Não escapamos, ainda. Mas agora, são dois jogos em casa e estamos fora da zona. O que era possibilidade real se tornou remota.
É o maior alívio que sinto este ano.
Não me venha com Faustão. Quero ver Terceiro Tempo!
Assim, vai perder o título
Melhores momentos de Grêmio x Atlético-PR. É em algum lugar do interior do Rio Grande do Sul, não no Olímpico. Rapaz, o Atlético abriu 3×0 e tomou o empate. Assim, vai perder o título. O Grêmio está rebaixado, menos um pra brigar com a gente.
Meu irmão de 1 ano não para de chorar. Minha mãe saiu com meu padrasto – devem ter ido pro bingo – e não voltou até agora. Meus avós estão mais bolados que palmeirense.
Estou pouco me lixando! Mengão ganhou, fora de casa. É Série A, vamos ficar!
O céu continua nublado, mas amanhã tem urubu tomando conta.
Não vou dormir feliz desse jeito desde a semi contra o Vitória. Mas é melhor não relembrar o fim daquela história.
Boa noite. Pode vir, segunda.
Segunda-feira, é claro.
Saudações,
Twitter: @_LeoLealC
Insta: @leoleal_cl
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