Para a construção de estádios de futebol existem manuais regulatórios de entidades como o caderno de estádios de 2010 da UEFA e a 5a versão do caderno de estádios da FIFA. Só procurar no Google que se acha. As duas instituições tem competições importantes, dentre elas a anual UEFA Champions League e a Copa do Mundo FIFA, sabem do que dizem. Dá para se fazer um apanhado sobre os cadernos e quebrar alguns estigmas sobre o tal “padrão FIFA”, que todo mundo “conhece” sem realmente conhecer… tentarei mostrar de forma breve um comparativo de UEFA x FIFA.
A UEFA classifica seus estádios em quatro categorias, do mais básico (Categoria 1) ao de melhor padrão (Categoria 4). O que interessa ao Flamengo pela qualidade do estádio e pela grandeza do clube é o estádio de nível quatro e farei uma descrição pontual dos aspectos (chamados de critérios estruturais) para me fazer entender, primeiro com uma tabela, logo após com outros itens do documento editado pela própria UEFA:
O vestiário dos árbitros deve medir 20m², com um mínimo de dois chuveiros, banheiro individual adaptado, seis lugares e uma escrivaninha;
São proibidas barracas de tendas/stands ou barracas de camping nas instalações para o público;
O acesso ao estádio deve se dar por catracas eletrônicas e sistemas de contagem mecânico, para contagem e análise em tempo real, impedindo falsificações e superlotação e a saída dos torcedores deve ser tranquila;
O estádio deve ter uma capacidade mínima de 8.000 assentos e sala de controle que forneça boa visão geral do interior do estádio, que esteja equipada com sistemas de comunicação, dentro e fora com circuito fechado de TV e facilidade de captação de imagens e controle da instalação. Monitores coloridos e de alta definição;
As áreas de trabalho da mídia deve ter ao menos 200m², para acomodar um mínimo de 75 representantes da mídia. O espaço dedicado deve ser fornecido para pelo menos 25 fotógrafos, se possível em um separado, área de trabalho totalmente equipada, além de zona mista coberta e com capacidade para 50 jornalistas;
Dentro do estádio, uma imprensa sala de conferências deve estar disponível, equipado com uma mesa de trabalho, plataforma de câmera, pódio, caixa de separação, sistema de som e cadeiras.
Com a leitura do guia, pude perceber que existiam outros itens contidos nele, de forma implícita. Um estádio para o Flamengo, no Rio de Janeiro abarcaria a quase todos os itens nível 4 da UEFA, senão todos. Estas exigências não estavam inclusas neste texto de 2010 e resumo desta forma:
Sala de controle bem equipada para os observadores da UEFA, cinco mastros para bandeiras oficiais, sinalização clara e compreensível (com indicações reconhecíveis por símbolos) tanto no interior como exterior do estádio, assim como em seu entorno;
Instalações sanitárias aceitáveis para espectadores de ambos os sexos quanto a sua quantidade, limpeza e higiene. Não são permitidos sanitários sem assento, a média de banheiros para o público, por número de espectadores, deve ser de um vaso sanitário para cada 200 espectadores e de um mictório para cada 125 espectadores.;
Para os espectadores deficientes são reservados duas áreas, com no mínimo 50 cadeiras cobertas e confortáveis. Estas áreas devem estar adequadamente equipadas com serviços higiênicos especiais;
Os bancos de reservas deverão ser cobertos, acima do nível do gramado, separados a pelo menos 5 metros da linha lateral e com capacidade para 13 pessoas;
Já no caderno FIFA, as exigências para a construção estádio de mundial são maiores do que as da UEFA. Os usos e utilidades tem propósitos diferentes. A entidade máxima do futebol mundial construiu seu caderno para uniformizar, recomendar as construções para competições das simples às mais complexas. O forte da organização dessas competições é o padrão. Sim, o padrão.
O primeiro capítulo fala sobre as “Decisões na fase de pré-construção”, e elas ressaltam a importância das tomadas de decisão rumo à construção e detalhes como “localização, capacidade, projeto e impacto do estádio no meio ambiente para garantir que ele continue a atender às exigências de um mercado em rápida mudança”. Há a preocupação com as perguntas sobre os recursos financeiros disponíveis, a adaptação (caso seja uma reforma), a capacidade, a manutenção, o conhecimento do mercado e o tamanho da mudança que será a reforma ou construção.
O segundo capítulo fala sobre “Segurança física e patrimonial” em diversos aspectos, usuários, recursos, protocolos e a administração do projeto em si, os níveis da cadeia de comando e execução, da segurança, que é uma das preocupações fundamentais e específicos de megaeventos como Olimpíadas e Copa do mundo (escadas, acessos, saídas de emergência, e etc.), a segurança estrutural, a prevenção contra incêndios, a sala de controle do estádio, o circuito fechado de segurança e o centro médico para o público.
No Capítulo três, “Orientação e estacionamento”, estão observados de forma específica a entrada e a saída dos espectadores, a circulação (interna e externa ao estádio), dos veículos e a forma como são projetados os estádios, sinalização e indicações de direção nos bilhetes, acesso e saída do público, o estacionamento para espectadores, as especificações para o estacionamento VIP, o estacionamento para os times e funcionários do estádio (onde há menção especial para a copa do mundo, com destaque para árbitros, unidades de suporte, “contratados ou o pessoal da FIFA/COL” e o pessoal de “instalação de TI e Telecomunicação”), o acesso e estacionamento para a imprensa, os serviços de emergência e espectadores com necessidades especiais e o heliponto.
O quarto capítulo traz o “Campo de Jogo” e a FIFA cuida das dimensões, da qualidade do campo, sobre os tipos de grama natural (sistemas de irrigação, aquecimento, semeadura, drenagem, etc.), de campos de grama sintética (aspecto importante para a redução de custos), dos bancos de reservas, dos painéis publicitários ao redor do campo, do acesso e de possíveis exclusões dos espectadores (invasores), pela manutenção da boa qualidade do espetáculo.
O capítulo cinco é reservado para os “Jogadores e os árbitros”, fala sobre acessos aos vestiários, dos vestiários em si, toaletes e áreas de banho, acesso ao campo da área dos times, as áreas de aquecimento, a sala médica dos jogadores, a sala e o controle de doping, os escritórios administrativos para eventos e os vestiários para gandulas, inclusive uma sala especial para as crianças que entram em campo com as equipes, o túnel dos jogadores e os escritórios no estádio.
O capítulo seis do livro é sobre “Espectadores” e foram criados padrões gerais de conforto para o usuário, o malfadado “Padrão FIFA”, recomendações sobre a qualidade dos serviços. Os estádios devem ter cobertura, assentos identificados, toaletes e instalações sanitárias, instalações de alimentos e bebidas, lojas temporárias e estandes móveis, telefones públicos, gestão de rejeitos, gestão logística, de suporte e armazenagem. Existem adendos específicos que fala sobre transportes, telões, ângulos de visualização do campo e dos próprios telões, ingressos, o merchandising e as vendas para o público. Estão pontuadas as áreas de espectadores, a comunicação com o público, os espectadores portadores de necessidades especiais, os ingressos e controle eletrônico de acesso.
O capítulo sete, o de “Hospitalidade” trata de forma diferente espectadores “comuns” dos corporativos, parceiros ou os chamados “VIPs e VVIPs”, e nem se esconde: “Oferecer um alto nível de hospitalidade a convidados especiais e parceiros comerciais se tornou um dos aspectos mais importantes da gestão de eventos, sendo um componente cada vez mais importante no financiamento de um estádio de futebol”. Estão ali, as corporações e instituições ligadas à “família FIFA”, e se fala sobre instalações de hospitalidade corporativa, os requisitos, princípios de orientação (áreas privativas, camarotes, estacionamento exclusivo, assentos de hospitalidade, executivos e vila de hospitalidade), áreas VVIP e VIP (especificações, acesso e posição), direitos relacionados à hospitalidade comercial e condições especiais (visibilidade, viabilidade, localização, segurança, disponibilidade, e etc.).
O Capítulo oito é destinado à “Mídia”, com todas as especificações dos setores e condições de trabalho, facilitando o acesso e o trânsito das informações. Estão especificadas detalhadamente as informações para o setor de tecnologia da informação. Além disso, o posicionamento de infraestrutura, das câmeras de transmissão até as entrevistas, o escritório de credenciamento, tribuna de mídia e posições de comentaristas, centro de mídia do estádio, sala de conferência de imprensa, zona mista e posições para entrevistas rápidas, as instalações para fotógrafos, a infraestrutura de televisão, os estúdios e o complexo de transmissão.
O nono capítulo fala sobre “Iluminação e energia” e a iluminação não deve incomodar a comunidade, ou seja, ultrapassar os limites do estádio, devendo apenas aplacar às necessidades dos usuários do estádios, sejam eles os atletas, espectadores, as emissoras e etc. Estão presentes no capítulo as questões de alimentação de energia, os requisitos de instalações, as especificações e tecnologia de projeto de luz, o impacto ambiental, o comissionamento de instalação e o glossário de termos de iluminação.
O décimo capítulo fala sobre “Comunicação e Áreas adicionais”, discorrendo sobre o desenvolvimento da tecnologia e o suporte necessário para a evolução das transmissões e do funcionamento do estádio como um todo. Estes requisitos são destrinchados, assim como o desenvolvimento do programa de tecnologia e infraestrutura, os sistemas de comunicação, aplicações e usuários, as salas de comunicação, o desenvolvimento de projetos de toda ordem (toda a instalação, desde as torneiras até o gramado, das fechaduras ao teto do estádio), dos telefones, as áreas adicionais e os mastros para bandeiras.
O capítulo onze é voltado para o Futsal e o Futebol de Areia. Sim, eles. As especificações para construções da natureza destes esportes poderiam ajudar na construção da arena da Gávea (a “Arena McDonald’s”): “Futsal e futebol de areia são duas modalidades do esporte em plena expansão pelo mundo. O futsal pode ser jogado em ginásios e arenas poliesportivas. O futebol de areia pode ser jogado diretamente na praia ou em um campo temporário com as mesmas características de piso de uma praia”. A FIFA padroniza e tenta expandir o número de praticantes das modalidades, elencando como padrões as decisões pré-construtivas estratégicas, jogadores e oficiais de partida, áreas de mídia, requisitos de espaço e para construção de estádio/ginásio.
O décimo segundo e último capítulo fala sobre as “Instalações temporárias”, sobre a temporalidade e a mobilidade de instalações dentro do estádio de copa do mundo ou híbridas, já que são permitidas instalações híbridas, como o exemplo do estádio de Itaquera em São Paulo, que recebeu arquibancadas temporárias para aumentar a capacidade e receber a partida de abertura da copa do mundo de 2014; além disso, estão descritas as instalações para eventos, a experiência no evento, as estruturas desmontáveis e as instalações de evento (sustentabilidade).
A FIFA fez um belíssimo trabalho, que a levou construir uma competição como a Copa do Mundo. Traz soluções completas para todos, tipos de público, construções, todos os detalhes necessários para o conforto dos usuários de um estádio de futebol. Impressiona a riqueza de detalhes e ao mesmo tempo a simplicidade do caderno. Fazer um estádio moderno padrão UEFA e/ou padrão FIFA só fica complicado por conta do “risco Brasil” e o modus operandi dessas instituições que cuidam do futebol, aqueles penduricalhos conhecido por nós como corrupção e “questões políticas”… uma dupla horrenda! Aprendemos com o caso da Arena da Gávea que não será nada fácil construir algo para o Flamengo, mesmo com 100% da verba sendo privada… Nos resta aguardar e torcer.
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