Otelo. Eu consegui reunir 126 ilustrações sobre o Flamengo de sua autoria, mas é provável que a produção completa esteja na casa do milhar. Jornal dos Sports, O Globo, Manchete Esportiva. Otelo Caçador, o frasista, o homem do Placar Moral, o criador do Manto Sagrado.
A mística da camisa que joga sozinha vem do campeonato de 27, quando Otelo era bebê. Mas, rubro-negro, morador do Leblon antigo, ele cresceu ouvindo a lenda da camisa. E no quarto ano de JS, em 51, empolgado com a eleição de Gilberto Cardoso, ele já abordava o tema.
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E foi em 54 que a camisa que joga sozinha virou o Manto Sagrado. Mais precisamente em 28 de abril, na coluna Petardo no JS, em que relacionava cinema e futebol. Para Otelo, The Robe, ou O Manto Sagrado, de Henry Koster com Richard Button, era um filme sobre a camisa do Flamengo.
Na saga do tri, além eternizar o Manto Sagrado, Otelo transformou o treinador paraguaio Solich em O Feiticeiro, em confrontos com The Super ZZ (Zezé Moreira), o Treinador das Cavernas (Flavio Costa) e outros, em tirinhas no JS e n’O Globo.
Flavio era alvo preferencial, o treinador antigo, “das cavernas”, contra o moderno Solich. Além do ressentimento de todos os rubro-negros – Flavio trocara o Flamengo pelo Vasco pela segunda vez
-, Otelo havia tentado treinar no Flamengo quando jovem e foi barrado por Flavio.
Na verdade, Otelo só não queria perder a piada. Nunca. Ele era o primeiro a admitir: “Flavio me barrou porque eu era ruim de bola”. E sua obra não era só provocação, mas também reverência a quem admirava,
como Biguá, “mais flamengo que o próprio Flamengo”.
Ao longo das décadas, Otelo desenhou um Flamengo de suor, lágrimas e nanquim. Zélins e Moacir nos anos 1950. Carlinhos Violino, logo após o título de 1963. E, na mesma conquista, a reconciliação com o novamente rubro-negro Flavio Costa, “quebrando o tabu de vice”.
No início dos anos 1970, a admiração por Zanata era indisfarçável, assim como a alegria pela volta de Solich. A estética da década estava devidamente contemplada no Flamengo interpretado por Otelo, retrato de paixão, retrato de época.
Às vezes, o papel saía meio borrado do chope que pingava na mesa lá no fundo no Degrau, onde ele
produziu parte significativa de sua obra. Inclusive nas críticas a Yustrich, ou Yustigre, culpado até por um quarto lugar da Verde e Rosa no Carnaval.
Era outro Leblon, outra vida, outro Flamengo. Mas nunca deixo de pensar na porrada que seria um livro chamado O Sagrado Flamengo de Otelo. Quem sabe alguém, quem sabe um dia. Eternos sejam os que honraram o Manto Sagrado. Eterno seja seu criador, Otelo Caçador.
Mauricio Neves de Jesus é jornalista, roteirista e além disso é autor de diversos livros sobre o futebol brasileiro, como Epopeias rubro-negras, 1981: o primeiro ano do resto das nossas vidas, 1962: o ano Mané, Maestro, Penta: no traço, no rádio e na bola. No Twitter e Instagram: @flapravaler.
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