Em algum momento deste tenebroso ano de 2023 eu me deparei com a frase “O Flamengo tem que aprender com o Botafogo.” e gargalhei. O que exatamente deveríamos aprender com o Botafogo? Como montar um time mediano, jogar em contra ataque com pontinha e manter um técnico que após um ano cai na primeira fase do estadual?
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Eis que alguns meses se passam e o Botafogo demonstra ter sim muito a nos ensinar, em vários níveis: diretoria, jogadores e – principalmente – torcedores. A demissão de Bruno Lage é uma lição de como agir para evitar vexames como os que o Flamengo coleciona esse ano e tentar salvar o que tem de bom.
Leia mais do autor: Que Bruno Henrique fique. Mas se não quiser, que vá em paz
O exemplo que vem de cima: Como reagir a crises
O meu primeiro texto esse ano neste site sentenciava “O trabalho de Vitor Pereira acabou”. Isso era evidente desde a eliminação para o Al-Hilal. Mas para que algo fosse efetivamente feito precisamos passar pela himilhação de perder um título pro Dell Valle em casa um baile pro Fluminense. Só então a diretoria se mexeu para mais uma vez, no meio do ano, tentar salvar a temporada.
E como se mexeu mal! A contratação de Sampaoli era uma tragédia anunciada e não demorou para dar os sinais disso. Foram incríveis 20 jogos sem jogar bem com apenas uma derrota, escalações estapafúrdias e um tipo de futebol incompatível com o elenco e com o tamanho e investimento do Flamengo. Parecia realmente que tínhamos decidido “aprender com o Botafogo”.
Como se não bastasse, pipocavam as notícias de que o treinador não se dava bem com o elenco, que os jogadores não entendiam (e por consequência não compravam) o estilo do treinador até que o grande símbolo disso ocorreu: o caso Pedro. Para completar, o então treinador deu uma das declarações mais estapafúrdias que alguém pode dar após alguém levar um soco na cara, igualando agredido e agressor.
E a diretoria do Flamengo, nas figuras de Marcos Braz e Rodolfo Landim assistiram isso de maneira imóvel. Nada foi feito na maior oportunidade de salvar a temporada. Enquanto isso, pelos lados de General Severiano, a cúpula botafoguense obvservava a queda de desempenho, a mudança no padrão da equipe, a declaração colocando o cargo à disposição e a barração do craque do time com sinal de alerta ligado.
O conjunto da obra foi o suficiente para mandar Lage embora sem esperar a tragédia acontecer. O contrário do que fizemos.
Mordendo a mão que o alimenta: a falta de suporte da torcida
Enquanto as notícias de demissão pairavam no ar nesta terça (04), tive um diálogo muito elucidador com um amigo botafoguense. “Como pode? O cara chegou, mudou o esquema, botou o Tchê Tchê fora de posição pra se encaixar no que ele quer, fez o Di Placido, o Hugo, o Victor Sá, o Segovinha, todo mundo parar de jogar e pra completar, tirou o Tiquinho!”. A frase me colocou em profunda reflexão.
Percebam: O botafoguense tem CERTEZA de que o Tchê Tchê tem que jogar na posição que melhor rende. Além disso, a queda de desempenho do quarteto citado, que ganhou o total de 0 coisas pelo clube e que mostraram seis meses de bom futebol foi creditada ao técnico. E o que dizer de barrar o principal jogador do time? Loucura né ?
Já nós, tratamos de maneira contrária. Como assim o jogador não quer jogar fora de posição?! ACOMODADO! Todos os craques históricos pararam de render ? Vagabundos que estão com a barriga cheia! Reformulação já! Não importa se você é o atual Rei da América e passa o jogo todo batendo cabeça com zagueiro sem receber uma bola pra finalizar, senta no banco e não reclama!
Dessa forma parte da torcida foi minando a confiança e a autoridade do time que “faz o que quer” dentro do clube. Qualquer conversa, declaração ou demonstração de desconforto viraria a prova cabal de que o trabalho de Sampaoli não engrenava porque os jogadores tinham má vontade, quando o mais provável era o contrário.
Um time que não tinha mais ninguém com a moral de Diego ou com a marra de Diego Alves sofreu com a falta de apoio de quem mais deveria dá-los suporte: a torcida. Resultado? Vexames anunciados sendo consolidados e vice da Copa do Brasil enquanto ninguém fazia nada para impedir.
Feras acuadas: Os craques que perderam o brilho
Diante de um cenário no qual o time jogava repetidamente mal e a torcida atribuia isso aos jogadores com “má vontade” ou com “barriga cheia”, clamando para que nos livrássemos de “estorvos” como Pedro, Gabigol, Everton Ribeiro e Gerson para despejar rios de dinheiro em Luiz Araújo e Allan, estes ficaram acuados.
Se pelos lados de General Severiano os motivos já citados geraram uma reunião entre jogadores e diretoria culminando na demissão do treinador deles, na Gávea atletas eram forçados a dar entrevistas colocando panos questes e dando suporte a um sujeito que dizia com todas as letras não se importar com eles. Qualquer coisa que fugisse disso era apenas a demonstração cabal da indisciplina daqueles “vagabundos!”.
E até mesmo o presidente do clube endossou isso! Tomou cafézinho com o treinador que saiu “mais aliviado” de uma conversa com ele depois de mais um resultado pífio. Observamos então um elenco que foi desempoderado, acuado e humilhado. Não restou nada além de correr sem rumo em campo para rebater as críticas de que “esses caras não correm”!
Ninguém quer menos que a gente
Os mosaicos do Botafogo em boa fase me divertiram durante esse ano. Todo jogo a gente podia esperar uma frase meio doida que só é verdade na cabeça do botafoguense que tenta atribuir a seu clube uma história e peso tirada do mesmo lugar que vieram “os 3 títulos mundiais” que alegam ter.
Entretanto, o último deles dizia “Ninguém quer mais que a gente” e isso ninguém pode negar. Torcida, jogadores e diretoria deram uma demonstração de que querem e querem muito esse título. Por outro lado nós demos um show de como não querer ganhar algo. Começando com a torcida, passando pela diretoria e contaminando os jogadores, nos colocamos a merce do acaso.
Se por um lado a torcida fazia questão de tacar no fogo quem tem a atestada capacidade de nos dar títulos, por outro o ego da diretoria paralizava um clube que precisava agir. No meio disso, atlétas sem confiança, jogando um futebol passível de ser superado por qualquer time de meio de tabela no campeonato paraguaio.
Finalmente, o Botafogo nos ensinou alguma coisa. Teremos nós a capacidade de aprender ?
Renato Veltri é advogado, formado pela UFRJ em 2019 e flamenguista formado por sua irmã, Vanessa, na final da Copa do Brasil de 2006. Twitter: @veltri_renato.
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