Dizer que o Mundial do Flamengo é reconhecido pela FIFA é chover no molhado. Todas as pessoas com o mínimo de noção do que é futebol sabem, desde 1981, que se há um clube campeão do mundo com toda justiça e mérito, é o Rubro-Negro.
O título mundial daquele ano foi a colheita de um plantio semeado a partir da década de 1970, quando o Flamengo passou a enfileirar conquistas até o ápice da glória mundial.
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Mas, como toda colheita guardada por muito tempo, a de 1981 parece ter sofrido com a ação de certas “pragas” que, corroem o seu brilho, embora não diminuam em nada o seu mérito.
A peste, no caso, é o movimento de revisionismo histórico futebolístico que, no Brasil, parece ter virado moda entre os clubes.
Desde quando o mundial do Flamengo é reconhecido pela FIFA?
Apesar de já na época a Taça Intercontinental ser tratada como um título mundial de clubes, a FIFA demorou longos 57 anos para reconhecer os clubes vencedores como campeões do mundo.
Em 2017, uma reunião do conselho da entidade máxima do futebol, em Calcutá, Índia, decretou que todas as agremiações vencedoras da Copa Intercontinental, disputada entre 1960 e 2004, passariam ser consideradas campeãs mundiais.
Ainda assim, há quem diga que a taça conquistada depois do célebre 3×0 no Liverpool não passou de um torneio amistoso, patrocinado pela montadora japonesa Toyota.
Esquecem esses leigos que a competição foi endossada pelas próprias UEFA e Conmebol, que entre 1960 e 1979 apoiavam o torneio, em um período no qual os jogos eram de ida e volta, nos países das equipes. Por tabela, a FIFA também endossava.
A partir de 1980, por questões logísticas e de patrocínio, a Associação de Futebol do Japão assumiria a organização do torneio, com apoio da Toyota.
E para quem acha que tudo não passava de “jogada de marketing” vale lembrar que a UEFA e a Conmebol nunca deixaram de supervisionar a disputa.
A pergunta deveria ser: precisamos ser reconhecidos?
Sim, se considerarmos que a entidade máxima do futebol mundial é a FIFA.
Em matéria futebolística, é ela e tão somente ela que tem autoridade para decidir o que vale e o que não vale.
Tanto que a entidade proíbe expressamente e não tem o menor pudor em reforçar sua intolerância contra qualquer clube que tente pleitear direitos na Justiça comum. Observação: alguém precisa avisar o pessoal da Ilha do Retiro.
Por outro lado, mesmo as entidades de classe, com todo o poder que lhes é outorgado, não são imunes a críticas e a até a ter sua autoridade contestada.
No Brasil, por exemplo, vem ganhando uma proporção muito maior do que deveria ter um certo movimento revisionista por parte de certos clubes.
Incapazes de afirmar sua supremacia ou de vencer os principais campeonatos, alguns deles acreditam que, por força da retórica, podem “repaginar” torneios não oficiais, transformando-os em oficiais como se fosse em um toque de Midas.
Dois casos aqui são emblemáticos. Um, a Copa Rio, torneio disputado apenas em 1951 e 1952 e que teve como vencedores Palmeiras e Fluminense, respectivamente.
Outro, o até então insignificante Torneio dos Campeões de 1937, alçado este ano ao status de primeiro campeonato brasileiro, depois que o Atlético-MG, o campeão, alegar que deveria ser considerado como tal.
No caso do Palmeiras, que se autoproclama campeão mundial de 1951, o suposto reconhecimento se deveria ao fato de a Copa Rio contar com equipes europeias e sul-americanas, embora as únicas grandes de fato fossem Juventus e Nacional do Uruguai, fora o Vasco e o Sporting de Lisboa.
Não vamos entrar em detalhes, que renderiam outro artigo, mas, para efeitos argumentativos e de legitimação, o que deveria ser questionado é: qual o limite do revisionismo?
Torneios amistosos que o Flamengo poderia autoproclamar como “mundiais”
Falando no Palmeiras, por obra de revisionismo, eles ganharam de presente — sem exagero — nada menos que quatro dos seus atuais 12 títulos brasileiros.
Isso porque, em 2010, a CBF simplesmente decidiu “honrar” Pelé, reconhecendo como títulos brasileiros as edições da Taça Brasil disputadas entre 1959 e 1968, além do torneio Roberto Gomes Pedrosa, disputado entre 1967 e 1970.
O Rei precisava disso para ser considerado campeão brasileiro? Não se pode afirmar, mas o fato é que, com isso, a CBF formou um perigoso precedente, que abriria caminho para pedidos insólitos como do Atlético-MG em 2023, que, em um passe de mágica — ou de caneta — se tornaria tricampeão nacional.
Os rubro negros poderiam então se questionar: e se o Flamengo decidisse fazer o mesmo, buscando no tapetão o reconhecimento de torneios extra oficiais?
Vamos ver então algumas possibilidades nesse sentido.
Torneio Internacional do Rio de Janeiro de 1972
Com a falta de um calendário regular, era comum entre as décadas de 1950 e 1970 a realização dos chamados torneios de verão. O Rio sediou oito deles, em uma série de triangulares e quadrangulares entre 1953 e 1973.
Desses torneios, o Flamengo é o maior vencedor, faturando a taça nas edições de 1954, 1955, 1970 e 1972.
Destaque para a edição de 1972, quando o Flamengo bateu o Benfica, na época campeão português e semifinalista da Liga dos Campeões.
Curiosidade: foi na final, vencida por 1×0, que saiu o “gol de placa” de Fio Maravilha, eternizado na canção de Jorge Ben Jor.
Copa Mohamed V
Você já ouviu falar da Copa Mohamed V?
Disputada entre 1968 e 1989, era um torneio tão prestigioso que até o Peñarol, pentacampeão da Libertadores, o considera como título oficial.
Entre os seus campeões, estão potências como o Real Madri, Boca Juniors e Bayern de Munique.
O Flamengo é o único brasileiro que conquistou a Copa, vencendo o Racing da Argentina na final na edição de 1968, que contou com a participação do Saint Etienne e FAR Rabat.
Torneio Internacional de Kuala Lumpur de 1994
Nem precisamos voltar tanto assim no tempo para resgatar um outro torneio amistoso que não fica devendo em nada aos campeonatos “mundiais” extra oficiais.
Em 1994, com uma surpreendente equipe formada basicamente por jogadores vindos da base — sempre a base — o Flamengo se sagraria campeão do torneio de Kuala Lumpur, na Malásia.
Na final, batemos nada menos que o Bayern de Munique por 3×1, gols das crias Rogério Lourenço, Marquinhos e Sávio.
Marlboro Cup
No ocaso da publicidade das grandes produtoras de tabaco, a Philip Morris viria a organizar um torneio entre 1987 e 1990, chamado Marlboro Cup. Detalhe: em 88 e 90 o torneio foi disputado 4 vezes, e em 89 houve duas edições.
O Fla é o único brasileiro a ganhar a competição, faturando a última edição em 1990.
O título foi confirmado com uma vitória sobre o Alianza Lima por 1×0, gol do saudoso Gaúcho, em um certame que contou com Sporting Lisboa e a seleção dos Estados Unidos.
O que um clube precisa para ser campeão mundial de fato e de direito?
O Mundial do Flamengo é reconhecido pela FIFA não porque o clube precisasse disso ou para fazer frente a outros com mais conquistas.
Esse reconhecimento veio em primeiro lugar pela regularidade e constância da antiga Taça Intercontinental, diferentemente da Taça Rio, uma competição esporádica, embora de valor, disputada apenas duas vezes.
Para quem alega que um título mundial precisa ter obrigatoriamente equipes de outros continentes, fica a questão: quando veremos um time africano ou asiático ser campeão do mundo ou uma seleção desses continentes vencendo a Copa, ou, pelo menos, chegar a uma final desta?
Até que isso venha a acontecer, o que molda o caráter de uma competição é o espírito do seu tempo, aliado à sua continuidade e prestígio inquestionável.
Dois requisitos que fazem do Mundial de 1981 indiscutível e tudo indica que, por muitos anos, o Flamengo será o único do Rio a ostentar o título de Campeão do Mundo.
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