Após um início conturbado na França, o eterno coringa Gerson se tornou destaque do Olympique de Marseille classificado para as semifinais da UEFA Conference League.
Ídolo rubro-negro, o volante foi uma das principais peças do Flamengo entre entre 2019 e 2021, conquistando quase tudo pelo Mais Querido. Campeão Carioca, Brasileiro e da América.
Leia mais: MRN Tático #5 – Gerson está mal na França? Análise do Coringa em 2022
Com seu bom desempenho na Europa e as dificuldades que Paulo Sousa vem enfrentando com os atuais volantes no Flamengo, uma pergunta fica no ar: Gerson seria o volante ideal para o treinador português?
Vamos buscar discutir essa questão avaliando a trajetória de Gerson desde 2019 e o modelo de jogo do atual treinador do Flamengo.
Como Gerson atuou pelo Flamengo
Durante a passagem de Gerson pelo clube, o jogador foi comandado por três técnicos: Jorge Jesus, Domènec Torrent e Rogério Ceni. No período, Gerson desempenhou diversas funções e realizou grandes adaptações à sua forma de jogo.
Gerson com Jesus
Com o Mister, Gerson chegou a atuar nos primeiros jogos pela meia direita, substituindo Everton Ribeiro que se encontrava lesionado na época. Porém, com a saída de Cuéllar para a Arábia Saudita e modelo de jogo de Jesus, Gerson se tornou um segundo volante a frente de William Arão do 4-1-3-2 base usado pelo treinador no clube.
Sem bola Gerson se juntava ao quarteto ofensivo rubro-negro para realizar a tão aclamada marcação pressão dessa histórica equipe no campo de defesa adversário. Por muitas vezes, se alinhava ora na linha de meias, ora na linha de atacantes, para realizar uma pressão zonal na saída de bola.
Realizava pouquíssimos movimentos de recomposição e profundidade, devido à alta efetividade na forma como o Flamengo se defendia: seja recuperando a posse ou pelos movimentos coordenados da linha defensiva e Arão para proteger suas costas.
Leia também: Análise Tática: Flamengo vence Talleres e começa a convencer
Com bola, muita das vezes, Gerson era o elo de ligação entre os defensores e atacantes da equipe. Com Arão mais próximos dos zagueiros, Gerson se tornava o principal apoio para passes pelo corredor central. Recebia de costas e retinha a posse, normalmente buscando Rafinha ou Filipe Luís pelo corredor lateral.
Tinha pouca participação no terço final, à exceção das transições ofensivas e dos eventuais ataques rápidos buscando Bruno Henrique. No mais, não realizava movimentos de ruptura para a entrada da área ou apoios mais próximos do gol. Sempre se destacou no momento ofensivo rubro-negro na 1ª e 2ª fase de construção.
Gerson com Dome
Jesus deixou o Flamengo após o fim do Campeonato Carioca 2020 e Domenèc Torrent foi técnico do clube até o início de novembro. Apesar do curto período de três meses, Gerson foi utilizado em todas as posições do meio de campo dentro da estrutura base em 4-2-3-1 usada pelo técnico espanhol.
Por conta dos diversos desfalques da equipe no período, o Gerson foi de fato um “coringa”. Por muitas vezes atuando na posição desfalcada por outro jogador no momento. De modo que desenvolveu bastante seu trabalho com bola na entrada do último terço, realizando infiltrações na área e passes de ruptura buscando assistir seus companheiros próximo da meta adversária.
Nos momentos em que atuou como volante, atuava mais alinhado a seu companheiro no setor no momento ofensivo e defensivo. Por vezes, auxiliando os zagueiros na saída de bola e marcando por zona a região a frente da linha defensiva no corredor central. Encontrou certa dificuldade para proteger o entrelinhas, mas o problema principal da equipe eram os espaços na última linha.
No auge do Fla de Dome, na vitória por 5×1 contra o Corinthians em Itaquera, Gerson atuou mais próximo de Thiago Maia, liberando Vitinho, Everton Ribeiro, Bruno Henrique e Pedro no ataque.
No fim da passagem de Dome, atuou em algumas partidas como volante mais avançado numa formatação em 4-1-4-1. Tinha menos incumbências na saída de bola e maior participação na segunda fase de construção e no último terço. Pisando bastante na área e gerando volume ofensivo. Sua grande atuação nesta posição aconteceu no empate contra o Internacional no Beira-Rio por 2×2, onde assistiu Everton Ribeiro no gol de empate rubro-negro.
As boas atuações nesta formação já indicavam que o Coringa teria uma boa adaptação na posição em que atua hoje com Sampaoli na França.
Gerson com Ceni
Com o último técnico em que foi treinado no Flamengo, Gerson teve seu período menos “coringa” no clube. O único jogo de destaque onde atuou fora da posição em que se consagrou no Flamengo foi na derrota contra o Vasco por 3×1 pelo Campeonato Carioca de 2021, onde atuou como meia esquerda. A opção de Ceni foi bastante contestada tanto pela torcida, quanto pela crítica esportiva.
Não deixe de ler: MRN Tático #10 – O papel ofensivo do zagueiros para Paulo Sousa
Assim, o atleta atuou praticamente em todas as partidas como um volante. Inicialmente com Arão, onde Ceni tentou emular as dinâmicas com bola de Jorge Jesus sem sucesso. Com o cargo em risco, Rogério passou a tomar seu trabalho de forma mais autoral e fez mudanças importantes na organização ofensiva da equipe.
A equipe passou a majoritariamente realizar uma saída de três, com Filipe Luís mais próximos dos zagueiros. Arão foi recuado para linha de zaga junto a Rodrigo Caio para qualificar e reter melhor a posse de bola. De modo que Diego passou a ser seu companheiro na linha de volantes.
O Flamengo se tornou uma equipe com muita posse de bola e eventuais problemas para entrada em último terço. A construção muito lateral e com poucas dinâmicas de profundidade fizeram com que a equipe tivesse dificuldades para entrada em último terço. Gerson descia bastante próximo dos zagueiros para receber de frente e trocar passes com Diego no setor, mas também fazia apoios frontais proteger bem a bola e dificultando uma roubada de bola de seu opositor. Everton Ribeiro e Arrascaeta também ajudavam bastante a equipe na primeira e segunda fase de construção.
Se por um lado a equipe era menos agressiva no ataque, por outro lado se tornou bastante sólida defensivamente. Sem nenhum volante com características mais defensivas, a equipe precisava “se defender atacando”, mantendo a bola nos pés e reduzindo ao máximo o tempo em que seus adversários poderão atacar. Desta forma, o Flamengo se tornou bicampeão brasileiro, tricampeão estadual e venceu pela segunda vez a Supercopa do Brasil.
Relembre: Gerson chora em despedida pós-vitória; veja os trechos da entrevista
No início da temporada 2021, Ceni buscou alguns mecanismos para conseguir ser mais incisivo no ataque. Dentre elas, a utilização de uma marcação mais alta e que por vezes também simulava a ideia de Jesus.
Contudo, a execução das ideias em organização defensiva sofria bastante no âmbito coletivo e individual. A equipe tinha dificuldades para subir pressão de forma conjunta e gerava muitos espaços entre os setores, bem como não gerava o constrangimento necessário à saída de bola adversária e muitas vezes não conseguia recuperar a posse ou forçar um erro de passe.
Além disso, com a presença de Diego à frente de Gerson e o quarteto ofensivo, o balanço defensivo na linha de volantes tinha dificuldades para proteger a profundidade. De modo que era muito normal enxergar Gerson correndo para trás e sem a velocidade necessária para ajudar seu companheiro de volância, sobrecarregado no setor.
Gerson deixou o clube antes da demissão de Ceni e não participou dos últimos jogos do treinador no comando do clube.
Como Gerson se adaptaria ao modelo de Paulo Sousa?
Após abordar toda a passagem de Gerson pelo Flamengo, podemos falar sobre suas possíveis capacidades e dificuldades dentro do modelo de Paulo Sousa, em um exercício lúdico que terá como base as características do jogador, suas experiências no clube e alguns princípios do modelo de jogo do treinador português.
Como foi abordado anteriormente, antes de mais nada Gerson é um atleta que consegue se adaptar a diversas situações dentro do campo. Isso de começo já seria um prato cheio para o novo Mister rubro-negro testá-lo em outras posições. Por exemplo, atuando como um meia interior.
Porém, para este que escreve, Gerson se consolidaria como volante da equipe pelo seu trabalho com bola. O jogador tem grande capacidade de conseguir fazer apoios de costas, bem como identificar o homem-livre no setor e eventualmente fazer progressões buscando o último terço.
Todavia, o atleta teria que passar por adaptações no seu jogo para conseguir entregar fundamentos necessários para Paulo Sousa. O “coringa” demora mais tempo para receber e passar do que Paulo Sousa exige em seus volantes, por precisar ter domínio do espaço antes de executar o movimento.
Assim, a princípio, Gerson teria que buscar verticalizar mais seu jogo, buscando janelas mais arriscadas na linha de meias. Também necessitaria passar mais rápido buscando gerar dinâmicas de terceiro-homem tanto com os zagueiros, quanto com os laterais.
Dito isso, sua grande adaptação não seria no momento ofensivo, mas sim no momento defensivo. Paulo Sousa necessita de volantes que consigam recompor rapidamente a linha de meio-campo e estarem sempre prontos para realizarem subidas de pressão nos volantes adversários.
Leia: Análise: Como Paulo Sousa trabalha os escanteios defensivos no Flamengo
Diferentemente do que fez no Flamengo de 2019 a 2021 e no Olympique de Marseille, Gerson teria que realizar maiores percursos correndo para trás, protegendo a profundidade. Algo que nunca fez parte de seu repertório.
No final, acredito que Gerson sofreria, em parte, os problemas que Arão vem sofrendo num modelo de jogo que exige dos volantes movimentos de proteção da linha última linha e de recomposição defensiva.
Enfim, este segue sendo um exercício intelectual e não tem como prever o nível de adaptação e evolução de Gerson ao dia a dia com o atual treinador do Flamengo. Nem tem a pretensão de gerar uma conclusão acerca desta tema.
Mas utilizando como base suas últimas experiências e analisando a forma como Paulo Sousa enxerga futebol, é possível identificar algumas premissas positivas e negativas nesta projeção.
SRN
Siga Douglas Fortunato no Twitter.