Há uma série de coisas para se discutir sobre o Flamengo hoje, mas acredito que não tenha nada que o rubro-negro pense mais no momento que não seja “que porra o Zé Ricardo ainda tá fazendo no comando do time?”.
Juro pra você que sou totalmente contra campanhas para queimar técnico. Pelo contrário. Nas últimas (muitas) demissões que rolaram na Gávea eu quase sempre fiquei triste, achando que o degolado merecia mais crédito.
Além do mais, parece coisa de criança mimada reclamar com ódio no coração do treinador de uma equipe que está na semi-final da Copa do Brasil, em 4º lugar no Brasileirão, bem cotado na Sul-Americana e que perdeu muito pouco ao longo da temporada. Jornalistas e especialistões de mesa redonda batem no peito para dizer isso.
A equação é mesmo complicada e pode turvar olhos mais sensíveis.
O Flamengo vem nos últimos anos vivendo uma revolução. O presidente Bandeira de Melo e seus parceiros fizeram e continuam a fazer um trabalho de reestruturação institucional inédito no futebol do Brasil. De falido, endividado e desacreditado, passamos a ser um clube rentável, que vê a dívida diminuir ano a ano, paga os salários em dia, investe em contratações milionárias e estrutura. É um fato: o Flamengo, que antes apelava para o charme de Maior do Mundo para seduzir uns zé-manés tipo Cadu, se tornou respeitado institucionalmente e imbatível à concorrência para os bons jogadores que querem retornar ao Brasil como os Diegos Ribas e Alves.
Temos um elenco que hoje é, no papel, de longe um dos melhores que eu me lembro de ter visto vestir nossa camisa nas últimas décadas. Boa parte dos nossos reservas seriam (ou brigariam para ser) titulares em quase todas as equipes da Série A.
Então chegamos finalmente ao Zé Ricardo.
Nosso técnico é um sujeito muito simpático. Mesmo. Não tem a afetação insuportável de quase todos os figurões da velha guarda. Carece um pouco de carisma, é verdade, mas tem boas intenções e parece ser esforçado e estudioso. Quando assumiu a equipe como interino em um momento complicado, fez um trabalho eficiente e elogiável, juntou as peças que tinha, deu um padrão tático ofensivo que a equipe não tinha há bastante tempo. Sobreviveu no cargo jogo a jogo, acabou ganhando a confiança dos jogadores, da torcida e da diretoria que, antes receosa, decidiu que era hora de apostar no prata da casa. (Só não podemos esquecer que não conseguiram nenhum nome do primeiro time que formasse consenso entre os manda-chuvas àquela época.)
O que vale é que o Zé Ricardo ficou, o time encaixou e lutou pelo título até o fim do ano passado. 2017 então parecia promissor. Mas a maionese azedou. Mesmo reforçado no começo do ano, o Flamengo nunca mais voltou a apresentar um futebol minimamente interessante. Pior que isso: se tornou absolutamente previsível e ineficaz. Roda a bola insistentemente de um lado pro outro para no fim lançar um chuveirinho na área. É inadmissível que depois de tanto tempo de casa, o maluco não tenha treinado QUALQUER variação tática para quando esse esquema com dois pontas falha. Sem contar que nossa defesa, que se mostrava segura em boa parte de 2016, virou uma bomba-relógio: é só esperar a hora em que vão fazer a merda todo jogo.
Vence? Sim. Geralmente graças ao talento individual de algum jogador.
Mas vacila. Muito.
Encontra dificuldades contra qualquer equipe bem treinada, mesmo que com jogadores menos talentosos.
Pior: o Flamengo 2017 perdeu a alma.
Não acho que falte vergonha na cara dos jogadores. Parecem valorizar o alto salário que recebem. Mas é algo transcendental, gutural, inexplicável. Não tem nada que justifique a falta de pulsação que temos visto em campo. E isso, para quem é Flamengo, é mortal.
Também não existe desculpa, treino espetacular, meritocracia ou dívida no pôquer que justifique a insistência do Zé em certas figuras e a falta de oportunidades para outras. Não vou aqui citar o óbvios Vaz, Muralha, Márc… Não vou. Parei.
Bandeira de Mello evidentemente é um sujeito de altas ambições políticas que parecem inclusive transcender nossa Nação. Diz o noticiário político que ele quer ser o próximo governador do Rio. Em sua cruzada por uma nova forma de gerir um clube, tem cada vez mais centralizado as decisões do futebol e blinda o ex-interino que virou solução inesperada garantindo que Zé Ricardo vai continuar até o fim do seu mandato em 2018.
Já achei bonito esse inédito respaldo. Foi importante e necessário em alguns momentos, nosso coração torcedor tende a querer sangue antes do tempo. Mas extrapolou. Virou teimosia do cartola.
Os jornalistas-comentaristas-fodõestaristas que me perdoem com suas análises.
Com o material humano que temos hoje e um treinador mais experiente, acho muito improvável que estivéssemos a 12 pontos do líder. Que tivéssemos caído na primeira fase da Libertadores. Que levássemos gol de pré-adolescente fugitivo da 4ª série contra o Palestino. Que o Santos quase nos impelisse outro vexame histórico essa semana.
Isso aqui é Flamengo. No fim das contas, quando entramos em campo não aceitamos menos do que a glória.
Por isso Zé Ricardo precisa sair. E, infelizmente, já vai tarde.
Pedro Henrique Neschling nasceu no Rio de Janeiro, em 1982, já com uma camisa do Flamengo pendurada na porta do quarto na maternidade. Desde que estreou profissionalmente em 2001, alterna-se com sucesso nas funções de ator, diretor, roteirista e dramaturgo em peças, filmes, novelas e seriados. É autor do romance “Gigantes” (Editora Paralela/Companhia das Letras – 2015).
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