Inclusão e reação

“Uma jogada pode mudar o mundo.”
Zico

Refletir sobre a participação das mulheres no universo do Futebol, passa obrigatoriamente por uma análise do comportamento dos homens.

Pois mulheres que tiveram a ousadia de adentrar em um universo tão masculino, se depararam com uma pluralidade de reações que vão desde a simples curiosidade, até ataques coordenados, passando por inúmeras formas de desmerecimento ou rejeição.

A presença de uma mulher em um mundo de homens incomoda. E muito. E se for uma mulher que se posiciona, uma mulher confiante, ela irremediavelmente despertará a ira de muitos. A reação dos homens será sempre desproporcional e excessiva.

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Ademais, a grande dificuldade para mudança desse cenário, reside no simples fato que essas reações vem do inconsciente e/ou da misoginia estrutural que permeou a sociedade por séculos…

Alguns homens já despertaram e se tornaram fortes aliados à causa, mas o caminho é árduo. Porque, se de lado estamos evoluindo, do outro a reação à inclusão das mulheres alavanca também discursos de ódio.

Desconstruir esses discursos, quebrar preconceitos, desmantelar uma visão do mundo e romper com práticas cotidianas muitas vezes endossadas também por elas, é um desafio colossal. Até porque a revolta é grande, a paciência acabou há muito tempo, o desânimo é constante e o cansaço imensurável.

Contudo, escrever sobre é um passo. Ajuda. As emoções se diluam graças a reflexão.A fala, a escrita, tão frequentemente silenciadas, ressurgem de forma mais racional e contribuam para lidar com a dor de um dia-a-dia tão impregnado de violência velada ou explícita. Difícil é enumerar, relembrar, e expor os tantos exemplos de agressões. Porém, é necessário: só se desconstrói um discurso, expondo ele.

Um homem que fala grosso e xinga, no mundo do Futebol, é um “macho”. É admirado. É raiz. É autêntico.

Mas uma mulher…

Aï da mulher ser firme nas suas convicções. Maluca, histérica, quem ela pensa que é? Alguns acharão engraçadinha, mas a maioria terá um olhar de desprezo que farão questão de exibir.

Homens que debatem sobre Futebol falam de jogadores, técnicos, contratações, táticas.
Se uma mulher ousar participar, lhe será perguntado sobre a regra do impedimento, sobre a

formação do Time de duas décadas atrás, e invariavelmente mesmo que nada tenha a ver com a conversa, alguém soltará a fatídica frase : “futebol feminino é muito ruim”.

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E a mulher que tiver a audácia de contradizer um homem com propriedade e com argumentos, essa coitada será convidada a ir para a cozinha, tanque, e outros lugares muito mais apropriados ao seu gênero. Os homens se juntarão, mesmo aqueles que outrora eram desafetos, e será iniciada uma série de ofensas veladas ou não, piadas machistas, ironias sem fim até que a mulher desista. Apenas uma das muitas formas de silenciamento. Apenas uma das muitas formas de violência.

Afinal, quem mandou se meter onde não deveria?

É impossível enumerar todas as agressões quotidianas que uma mulher sofre no meio do Futebol. Algumas serão objeto de artigos futuros, como a necessidade de sexualiza-la, de reduzi-la a um objeto sexual desprovido de autonomia e de relevância.

Mas por ora, os exemplos acima podem servir como princípio de reflexão sobre o comportamento masculino frente às mulheres no universo do futebol, que pode ser tão belo e agregador, unindo torcedores de todas as camadas sociais, todas as cores, todas as crenças e todas as regiões do país e fora dele. Não obstante, também é capaz de fomentar condutas discriminatórias e extremamente intolerantes como forma de afirmação máscula.

Os exemplos são muitos, a hostilidade é constante, a opressão é inerente. Precisamos mudar esse cenário. Urgentemente. Para o bem da sociedade. Para o bem do futebol.

Marion Konczyk Kaplan é conselheira do Clube de Regatas do Flamengo e presidente da Bancada Feminina do Conselho Deliberativo. Mestre em História pela Sorbonne Paris. Siga: @marionk72