Era assim.
A arquibancada começava a encher, o burburinho crescia. Quando se ouvia o som ambiente com a mesma intensidade do bate papo com os camaradas ao redor, era a hora do primeiro teste. Vinha lá da Raça: palmas sincopadas e Meeengôoo… Meeengôoo… Passagem de som feita, entregávamo-nos à expectativa que antecedia o momento mágico da entrada em campo. Espalhavam-se rádios portáteis, chamados de mini, bem maiores que qualquer celular de hoje. Sem fones de ouvido, era possível ouvir aqui e ali o que se dizia na Tupi, na Globo, na Nacional, na JB.
Então o velho estádio estava cheio e o Flamengo apontava na boca do túnel. Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… O time pisava o gramado e o nosso grito de guerra girava no alto da arquibancada como uma ciranda sonora, uma evocação, uma libertação.
O som que girava no alto se esparramava na geral e na cancha de jogo e aumentava quando a bola rolava. O adversário ficava tonto. Baratas perdidas entre aqueles homens de vermelho e preto. Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… E assim atordoados, viravam alvos para as estocadas rubro-negras, uma investida de Zico, uma explosão de Nunes, um peixinho de Adílio.
Quando o time mais precisava, não havia dúvida: Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo…
O som batia no teto, voltava, girava.
Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo…
Assim entrávamos em campo junto com os onze.
Havia canções, o hino, o acima de tudo, um samba-enredo para dizer que é hoje o dia da alegria, mas soberanamente havia o grito de Mengo. Assim como as camisas listradas em vermelho e preto, gritar Mengo nos tornava iguais, brothers in arms, defensores da tradição de sermos uma torcida que tinha um time e não um time que tinha uma torcida.
O mundo mudou. Não estou aqui para dizer que foi para pior, embora eu sinta uma certa compaixão por quem não viu o velho Maracanã balançando sob nossas palmas e nossas vozes e o grito de Mengo.
Ao escrever estas palavras, soa especialmente cruel Belchior cantando que o passado é uma roupa que não nos serve mais. Adaptar-se foi preciso. Ter paciência foi preciso. Até mesmo para aquilo que não posso compreender, como o que raios faz com que vocês, jovens, precisem cantar “isso aqui não é Vasco”, foi preciso adaptação e paciência.
Mas, parêntesis, respondam-me. Por que vocês cantam que isso aqui não é Vasco? Alguém da nova geração poderia se confundir?
Ou, por outra, não me respondam. Cantem suas musiquinhas novas, copiadas, com erro de concordância: vamos ser campeão, vamos Flamengo. Façam seus mosaicos, meu maior respeito pela molecada que chega cedo para montar os mosaicos. Fica lindo, ainda que um mosaico sem o grito de Mengo seja um corpo sem alma, um espírito errante, fica lindo.
Façam o que quiserem, mas voltem a gritar Mengo. Vocês querem um Flamengo pleno, forte, encurralando o Independiente a partir da força ancestral que trazemos no peito? Gritem Mengo.
Não precisa nem ensaiar. É um pouco complicado porque não dá para fazer selfies durante, mas vocês haverão de conseguir. Celulares nos bolsos. Fechem os olhos. Deixem vir:
Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo… Clap clap clap Meeengôoo… Meeengôoo…
Vamos gritar Mengo, vamos empalar o Independiente, vamos ser campeões.
Era assim. E isso, apenas isso, talvez só isso não precisasse ter mudado.
Mauricio Neves é autor do livro “1981 – O primeiro ano do resto de nossas vidas” e escreve no MRN todas as sextas-feiras. Siga-o no Twitter: @flapravaler
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