Hernán Crespo disse que o resultado não refletiu exatamente o que foi o jogo. Sejam sinceros… Em parte, ele está certo. Mas apenas em parte…Afinal, o Flamengo fez cinco gols: três bolas paradas, um chutaço de fora da área e um gol contra.
E quantas vezes a gente não ouviu que “o time estava bem, mas aí tomou um gol de bola parada” como se esse momento fosse “à parte”, quase fora do jogo de futebol?
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É verdade que o futebol permite que um time jogue mal, fique acuado e marque um gol do nada. É a tal “bola vadia”. E é verdade que muitas vezes ela toma a forma de uma bola parada, um chutaço de fora da área ou um gol contra.
Mas resumir o jogo assim seria errado…
O Fla parece ter começado levemente desconcentrado, enquanto o SPFC entrou a milhão. Os dez minutos iniciais foram de muita disputa, sem domínio claro no meio-campo, mas o tricolor paulista chegava com mais facilidade, tinha mais volume e criava chances.
Até que, aos dez minutos, o Flamengo teve uma excelente oportunidade.
Um lance importante não só para colocar o time no jogo, mas também para sinalizar ao adversário: estamos aqui — e se você vier com muita sede ao pote, também podemos levar perigo.
O SPFC entendeu o recado e esfriou a pressão inicial. O jogo seguiu equilibrado até o intervalo, com chances melhores até para o Flamengo.
Mas, se o rubro-negro começou mal no primeiro tempo, começou muito pior no segundo. Em dois minutos, muitos erros.
Dessa vez, a bobeira no escanteio não foi perdoada. Arboleda abriu o placar e, a partir de agora, o jogo seria ladeira acima para o time carioca.
Vale a pena entrar nos detalhes desse gol, mas já fiz isso.
Aqui, criou-se um ponto de interrogação enorme. Que Flamengo seria esse?
Nos momentos mais cambaleantes da temporada 2020, o Flamengo parecia frágil. Podia até estar jogando bem, mas quando uma única coisa dava errado, tudo passava a dar errado.
Há três semanas, contra o Atlético-MG, o time fez um primeiro tempo equilibrado, mas voltou desconcentrado, tomou um gol aos 6 minutos do segundo tempo e derreteu. Tomou outro aos 8 minutos e ficou nas cordas. Demorou mais uns 20 minutos para se estabilizar a voltar a jogar.
Essa derrota decretou a queda de Rogério Ceni. Quatro dias depois, sob o comando de Maurício, o time fez um jogo esquisito contra a Chape, mas estava bem mais perto de fazer o primeiro do que tomar. Acabou levando um gol bobo aos 22 min do segundo tempo, em falha de Diego Alves.
Ali, com Renato Gaúcho assistindo de camarote, o time continuou jogando meio mal, parecia meio perdido, mas foi pra cima e virou o jogo na marra, com dois golaços de Arrascaeta e Michael.
E agora? Qual seria o roteiro? Que Flamengo seria aquele?
Imediatamente, o time foi para cima e tentou acelerar. Especialmente Bruno Henrique. Mais uma vez, um lance crucial aos 10 minutos comunicou: estamos aqui.
E, mais uma vez, o SPFC entendeu o recado. Passou a picotar mais o jogo, tentar esfriar o clima enquanto o Fla tentava a todo custo forçar um ritmo mais alto. Esse embate culminou com Filipe Luís tomando cartão por tentar acelerar, acelerar, acelerar.
Um pisava no acelerador enquanto o outro pisava no freio, mas a disputa se decidiu quando a primeira bola entrou (e valeu).
Miranda avisou: “arruma rápido!”
Mas o Flamengo não deu essa chance, acelerou, bateu em 12 segundos e empatou.
A pergunta agora se invertia: que São Paulo seria esse? Como o time paulista reagiria?
Simplesmente não reagiu…
Foi como se, em uma disputa de cabo de guerra, a corda tivesse escapado das mãos de um dos times. O outro virou um rolo compressor. O Flamengo foi com tudo para cima e Bruno Henrique virou um monstro em campo, destruindo os adversários por todos os lados.
A virada veio com um chutaço de fora da área, depois mais dois gols de bola parada e, por fim, um gol contra muito esquisito.
Mas aquele momento do jogo foi, sim, um atropelo. Vale a pena olhar a construção dos lances, não apenas a descrição do final.
O primeiro escanteio nasce de uma saída arriscada. O time atraiu, abriu espaço e atacou.
Esse é um dos grandes méritos desse time e, aqui, foi um ótimo sinal de calma e foco. Não confundir urgência com pressa, intensidade com desespero.
O segundo é mais uma demonstração do Flamengo tentando acelerar enquanto o São Paulo tentava frear. Arrascaeta levou a falta e, sentado, cobrou rápido. O time não encontrou brecha, mas se organizou, girou e BH mostrou que estava endiabrado.
O SPFC se viu forçado a sair e o jogo se abriu para a velocidade. O terceiro gol nasce depois de um contra-ataque ultra veloz (e mais uma intervenção perfeita de BH no escanteio)
No quarto, Bruno Henrique mostrou que provavelmente conseguiria virar o jogo mesmo se estivesse jogando sozinho àquela altura.
E o quinto é uma pressão pós-perda muito bem feita, imposição total no meio-campo que deixa o adversário acuado e uma jogadaça entre Bruno Henrique e Vitinho que, por acaso, acabou sendo concluída por um pé São Paulino.
Sim, o jogo foi mais difícil do que o placar sugere.
Claro, o Flamengo fez cinco gols em apenas seis finalizações no segundo tempo. Foi um nível de conversão muito alto. Olhando só para os números e os melhores momentos, o jogo “não foi para isso tudo” mesmo.
O primeiro tempo foi equilibrado e a desconcentração no início de cada tempo poderia ter custado mais caro ao Flamengo. Mas, dentro dos 90 minutos, a grande notícia da tarde é que o time rubro-negro soube reagir às adversidades.
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Acima de tudo, esse 5×1 foi um confronto mental. A gente costuma dizer que o jogo é técnico, tático, físico e mental. Todas essas dimensões são igualmente importantes e, ainda mais, são indissociáveis.
Quando o maior desafio se apresentou, o Flamengo reagiu à altura, enquanto o São Paulo simplesmente derreteu. E como reagiu! O segundo tempo como um todo foi excelente.
No fim, o Flamengo como um todo — e Bruno Henrique em particular — tinha um recado não apenas para o São Paulo, mas para todos os times e todo mundo que acompanha o campeonato: nós estamos aqui!