Acasos de um clássico carioca. Que expõem aos olhos de quem quer ver, os fatores e nuances que determinam uma partida de futebol. Até quando uma proposta de jogo predomina sobre a outra?
Quais posturas ambas as equipes terão ao longo dos 90 minutos? A equipe mais qualificada atacará por boa parte do jogo enquanto a mais inferior esperará a oportunidade de contra-atacar e buscar o desejado triunfo que o “complexo de vira-lata” de nossa imprensa tanto enaltece?
Não, esse esporte não é tão previsível assim. Há segundos, minutos que alteram todo o desenvolvimento de uma partida. Que quebram o roteiro linear, que podem tornar o jogo emocionante, ou porque não, entediante. E o que falar do intervalo entre 5 à 7 minutos do 1° T, norteadores de toda essa pelota?
Flamengo entra à campo no seu recente 4-3-3, com substituições que expõe toda a falta de arsenal competitivo de seu elenco. O reserva da ponta/meia-direita improvisado pela esquerda, Marlos Moreno, sente lesão horas antes do jogo. Seu substituto? Um jovem da base, emprestado ao futebol português, que agora volta com passagem nada marcante. Mas e a ponta-direita, desfalcada pela suspensão de seu ponta-construtor Everton Ribeiro? Sem problemas, sacrifica-se o recém-contratado centroavante Fernando Uribe para manter prioridade ao futebol em contagem regressiva no clube de Paolo Guerrero. Que parece estar realmente contando os minutos para seu tempo no clube acabar. Participações pífias nestes dois jogos de volta do Campeonato Brasileiro pós-Copa.
Mas justo quando todo o planejamento parece errado, e os Deuses do Futebol se erguem para punir os hereges que os menosprezam, os pequenos acertos dessa administração mostram o ar de sua graça. Cuellar volta ao time titular e acerta o tripé de meio-campo rubro-negro. Agora mais técnico, mais dinâmico, e sem dúvidas, com muito mais vigor. Auxiliado também pelo ligeiro ajuste de balanço defensivo de Barbieri, mantendo na base da jogada Rodinei e Renê na mesma linha que o camisa 8, para prevenção de saídas rápidas após eventuais perdas de posse de seus meias. Melhora a ocupação do território adversário, diminui espaços para eventuais retomadas de bola e diminui o peso que a lentidão de Rever teria na proposta de jogo mais “protagonista”.
Portanto, Flamengo inicia o jogo buscando a esquerda e a interação do triângulo composto por Sávio, mais adiantado, enquanto Diego reveza entre cair pelas beiradas e manter Renê na base da jogada, ou partir em diagonal para que Sávio infiltre pelo centro oferecendo profundidade e Renê avance rente à linha lateral oferecendo amplitude. Pela direita, a configuração natural seria Paquetá participando da construção da saída sustentada ao lado de Cuellar e partindo da base para o entrelinhas, oferecendo infiltrações pelo centro para Everton Ribeiro que recuaria para qualificar o passe entrelinhas nessa zona intermediária, atuando como terceiro homem de meio-campo. Rodinei usaria do seu dito “vigor” para oferecer opção de velocidade pela beirada às costas do lateral. Em tese, a direita funcionaria assim, conforme ilustrado no espelhamento de ataque no segundo campinho tático.
Contudo, como Uribe não exerce com a mesma categoria o que seria a função de meia/ponta-construtor de E. Ribeiro (e seria injusto exigi-lo de tal), logo, a função de fazer a direita ainda ter potência recaiu sobre Rodinei, forçando tabelas para ultrapassagem, vitórias individuais em desvantagem tática (lateral e volante na pressão, zagueiro na sobra), tudo o que um lateral dito “ofensivo” deveria oferecer. O que não foi o caso. Sucumbiu para o 4-5-1 defensivo que Botafogo postou em campo, anulando o lado direito completamente, evidenciado na incapacidade de Rodinei fazer qualquer cruzamento ao longo de todos os 90 minutos (que é ainda mais temerário, considerando que na segunda etapa foi adiantado devido a entrada de Pará).
Obviamente, o papel de Guerrero na ideia de jogo de Barbieri não seria pequeno. Mais próximo de suas características (destacado nos seus respectivos mapas de calor), tinha por função deslocar os zagueiros com seus competentes desmarques de apoio, oferecer vantagem numérica no balanço ofensivo (se deslocando para o lado onde estava a bola e participando das interações, tornando momentaneamente o Lado Forte), e exercendo maior presença fora da área para a recepção da ligação-direta com o primeiro toque. Entretanto, apenas a última obrigação conseguiu ser exercida com qualidade. Após sua primeira participação, o desempenho caia bem aquém do que pode e deveria entregar. Gestos lentos, tomadas de decisão equivocadas e o egoísmo pertencente à um centroavante goleador, o que não é. Em lance emblemático, aos 40’, recebe em velocidade, tem Uribe disparado ao seu lado direito.Um tapa de qualidade o colocaria de frente para o gol, em condições de marcar. Entretanto, preferiu colocar a bola embaixo do braço, e carrega-la até fraca finalização pressionado por Carli. Mostrou falta de espírito coletivo (contrariando os que tanto o queriam ao lado de outro centroavante) e incompreensão de suas próprias qualidades. Disputar um duelo em velocidade necessitando do drible para abrir margem de espaço para finalização, não são o seu forte.
E mesmo com início preciosista, em meio à um péssimo gramado, que tornava os quiques da bola e suas eventuais frenagens por atrito um desafio à parte para os jogadores, além de erros técnicos por excesso de plasticidade em gestos e ações, seja por Sávio, Diego, Guerrero e Paquetá, o placar é aberto e ampliado e de forma tão natural e imediata que à primeiro momento se apresenta surreal, visto a péssima pontaria ao longo de todo o jogo anterior. Aos 5’, no lance que fez valer Uribe entre os XI iniciais, Sávio invade a area pela esquerda em diagonal, pedala para cima de Ricardo, puxa para o meio e cruza/chuta/entrega na mão do Pai excelente bola que encobre Jefferson e entra na gaveta, rente ao poste esquerdo do guarda redes.
E já aos 7’, lance que identifica todo o talento e inteligência futebolística de Paquetá. Recebe, gira, lança em passe vertical por dentro da linha de volantes, que abre para Sávio, o iluminado da noite. Diego se posta dentro da área ao lado de Uribe, enquanto Guerrero e Paquetá se infiltram por dentro. Nesse exato momento, 4 opções de recepção rubro-negra (2 referências e 2 em movimento) contra 3 defensores em linha e 2 volantes muito espaçados à frente da área. A dita e redita vantagem tática. Passe por elevação com graça, que Diego domina com categoria, mas que sobra para finalização de Paquetá. Placar ampliado. No lance, paralisação de 3 minutos e lesão grave de Jefferson. Que fique aqui registrado o desejo do colunista para que melhore e volte aos gramados o mais breve possível.
Pela qualidade técnica superior, o jogo transcorre com Flamengo coordenando as ações, mas sem ímpeto de ampliar o resultado. Falha sintomática desse time que já reverbera ao longo dos anos. Se satisfaz com facilidade com o placar que impõe. O que é uma falha gravíssima. Porque ao se sentir menos ameaçado, e precisando agora ser agressivo para reverter a situação, Botafogo aos poucos vai ganhando território pelo esforço e imposição mental, enquanto Flamengo recua e espera os espaços surgirem. Mas aí entra o x da questão: espaço para quem?
Flamengo entrou em campo com um time composto por 4 meias e 2 centroavantes, pendendo para esquerda não por decisão de tê-lo necessariamente como lado forte, mas porque a dupla Uribe-Rodinei não conseguia fazer o jogo pela direita fluir. Soma-se isso à falta de velocidade e explosão nesses jogadores para puxar contra-ataques (Uribe é móvel e Sávio com relativa velocidade nos gestos, mas sem velocidade suficiente pra esse estilo de proposta). Logo, as saídas foram carregar a bola até um espaço vazio e cavar faltas para travar o jogo físico do Botafogo e deixar a defesa respirar. Sávio, Paquetá e Diego as conseguiram, mas ainda era pouco. Faltava agressividade para retomar a bola na primeira linha.
Um time constituído com 6 jogadores ofensivos e apenas 1 volante de ofício não pode ser facilmente superado, senão haverá sobrecarga sobre Cuellar. E isso é ilustrado nos números de perdas de posse do Botafogo (apenas 3 no seu próprio campo e rente à linha horizontal de meio-campo), interceptações bem-sucedidas – de 12, apenas 4 foram no campo do adversário, e novamente na intermediária; Botafogo por outro lado interceptou 21 e 15 foram no território rubro-negro, que evidenciam o ganho dos rebotes ofensivos e de passes verticais de contra-ataque – e o baixo desempenho defensivo dos laterais, que permitiram que quase todos os cruzamentos chegasse à área (Rodinei interceptando apenas uma única e irrisória tentativa).
Vale destacar que Sávio e Diego se esforçavam para cumprir suas obrigações defensivas, mas não tem as ferramentas técnicas mais adequadas para o serviço. Sávio foi driblado 3 vezes, Diego 4. Sávio desarmou 3 vezes, Diego 2. Ambos interceptaram uma vez. Para comparação Uribe, atacante de ofício, através de muita voluntariedade conseguiu 4 desarmes (não sem direta participação de Rodinei, ineficaz no ataque, incapaz na defesa). Cuellar 6 desarmes (que se destaque seu cansaço no 2°T, onde conseguiu apenas 1 desarme) e Paquetá 3 desarmes, 2 cortes e 1 interceptação. Há empenho, falta intensidade e bons gestos técnicos para melhor execução.
Que se destaque que nessa ineficiência de proteção às beiradas, Rever e Léo Duarte se destacam. Com a baixa capacidade técnica do Botafogo. O que resta é chuva de bolas alçadas sem apuro técnico. Exigiu bastante da dupla de defensores. O jovem zagueiro mostrou sua regularidade com 4 cortes e 3 interceptações por baixo, enquanto o veterano foi soberano na defesa. 12 cortes (!), 2 chutes bloqueados e 1 interceptação. Diego Alves teve ainda que fazer 4 defesas, mas sem tanta dificuldade. De destaque do goleiro, apenas sua inconstante saída de bola. A ser melhorado.
Diego é o camisa 10 da equipe e portanto, o meia mais acionado por todos os jogadores. Parece à vontade na posição mais à lateral, buscando infiltrar em diagonal e os apoios de Sávio pelas beiradas e Guerrero por dentro. Mas também teve excessos e em outros lances, falta de precisão.
Pode e precisa entregar mais para fazer jus à sua posição no elenco. Paquetá é o epicentro da equipe rubro-negra. Mesmo quando está mal tecnicamente, errando muitos passes (16), ainda é o que mais dá passes na partida (com 63, apenas atrás de Cuellar com 77) e um dos que mais acerta (47 passes certos, atrás apenas de deCuellar com 66 e Rennê/Lindoso com 49). Entrega profundidade, recomposição, compensação, jogo interior, jogo exterior, saída de bola, infiltração. Jogador completo. Quanto ao excesso de plasticidade, que se instrua a saber quando usa-lo e com sabedoria, e não inibir o que o faz diferente. Suas motivações e porquês de como jogar apenas ele e aqueles próximos à ele tem conhecimento. Deduzi-los através de “está começando a olhar muito para as câmeras”, “sofre com ausência de Vinicius Jr”, “está sendo mascarado”, é de uma responsabilidade jornalística. Busca por razões de nosso interesse, na necessidade de expor opinião sobre tudo e até do que não se pode ter certeza e nem se espera alcançar. Quando na verdade a história do futebol brasileiro nos traz o lúdico, seja do pé de jogadores clássicos como Pelé e Garrincha, cerebrais como Rivaldo e Sócrates, gênios da bola como Zico e Ronaldinho. Que se aprenda a apreciar o que já é quase extinto em campos brasileiros, e não à deprecia-lo e enxota-lo o mais rápido para a Europa. Prioridades.
Mais uma vitória, e fundamental para manter a boa atmosfera e a liderança da competição nacional. Ajustes no balanço defensivo, ausência de bons jogos de alguns jogadores, e empenhos de outros em meio ao sacrifício. 90 minutos condicionados por 2 lances precoces, que definiram o placar e o andamento da partida. E por fim, Sávio. Garoto marcado pela eliminação da Libertadores 2017. Retornou da Europa sem brilho e entra em campo após série de acasos tão comuns ao futebol, e como aposta pessoal do técnico. Em 7 minutos consegue provar que pode sim agregar ao elenco e disputar posição ao longo do ano Marlos, visto que a diretoria parece considerar que esse grupo tem força suficiente para competir em 3 frentes pesadas ao mesmo…Mas isso fica para outra hora (e outro colunista que queira discorrer sobre o momento político que passa o Clube). No mais, boa partida, que venha o Santos e Segue o Líder!
Imagem destacada nos posts e nas redes sociais: Gilvan de Souza / Flamengo
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Matheus Miranda analisa os jogos do Mengão no MRN. Siga-o no Twitter: @Nicenerd04
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