Há não muito tempo, escrevi uma breve opinião sobre o zagueiro Juan, que naquela semana era confirmado como um dos primeiros reforços do rubro-negro para a temporada 2016 – veja aqui. Mais do que palpitar se o experiente zagueiro era ou não o reforço ideal para a combalida defesa molamba, o propósito do texto era provocar uma reflexão nos mais céticos.
Hoje, poucos dias depois da contundente vitória do Flamengo sobre a Portuguesa – relembre aqui, ali e acolá -, o time se prepara para o primeiro grande clássico estadual da temporada. E, naturalmente, parte da torcida (novamente os céticos) faz questão de lembrar que o sucesso diante do maior time carioca-lusitano foi possível graças à fragilidade do time. É de se esperar que a partida diante do Vasco seja mais complicada; por conta da rivalidade, do nível técnico do adversário, pela relevância que eles dão ao jogo, entre outros tantos motivos. Mas, ainda assim, a atuação do Flamengo foi muito boa.
Dominante nas ações ofensivas, com presença constante dos “triângulos laterais” (ora entre Rodinei-Arão-Cirino, ora entre Jorge-Mancuello-Sheik), o time construiu uma goleada como há muito não se via com relativa tranquilidade. Mas… uma breve passagem pós-jogo pelo Twitter e, INCRÍVEL, havia dúzias de críticas ao time. “Jorge está tímido no ataque”, “Wallace não passa segurança”, “Márcio Araújo é muito burocrático”.
Vamos com calma. Em primeiro lugar, há de se diferenciar a “atuação” da “qualidade do elenco”. Didaticamente: o fato de Guerrero ter feito três meses de atuações fracas/discretas não faz dele um jogador ruim. Assim como o Márcio Araújo jogar bem em uma partida, não significa que a torcida o considere o volante ideal para o time – apenas que reconhecem o bom desempenho em um dado momento, embora eu mesmo tenha defendido o contestado meio-campista.
Dito isto, a constatação do cenário é que o torcedor rubro-negro simplesmente PRECISA de personagens para enaltecer e para descontar suas frustrações. E isso leva uma reflexão semelhante àquela que inspirou o texto sobre o zagueiro Juan: é fundamental entender quem é quem nesse elenco para, aí sim, saber o quanto cobrar, o quanto esperar.
A expectativa em torno de um jogador (qualquer um!) costuma ser motivada por 1) salário e 2) capacidade técnica de um atleta. É, natural, portanto, que você espere que o Guerrero renda mais que o Kayke. Acontece que, geralmente, esquecemos de um terceiro fator (tão ou mais importante que os anteriores): o papel tático cumprido pelo atleta.
Técnicos montam times focados nos seus maiores talentos, as estrelas. Jogadas ofensivas são pensadas e construídas por ou para as estrelas. O coordenador ofensivo pode ser o armador, camisa 10, ou o centroavante, capaz de abrir espaços, fazer o pivô. Ou o volante que conduz o ritmo do time entre as áreas, o tal box-to-box.
Quem manda nessa porra sou euHá poucos anos, o ataque do Flamengo era coordenado pelas laterais: ora Leo Moura, ora Juan. Isso permitia ter um meio-campo porradeiro e raçudo, já que o talento era escasso naquela época. As chegadas de Adriano e, posteriormente, Ronaldinho Gaúcho, modificaram o sistema, mesmo que, eventualmente, o esquema tático fosse o mesmíssimo 4-4-2.
Só que as estrelas não jogam sozinhas. Elas são assistidas pelos role players, tão conhecidos no basquete como o “elenco de apoio”. Rapidamente: o Olivinha é ótimo reboteiro, grande defensor, a alma do time em diversos momentos; mas na hora que dá merda, é bola na mão do Marquinhos. Nesse exemplo, fica bem claro: Marquinhos é a estrela e Olivinha é o role player. O basquete tem essa cultura de saber quem é quem – e não há constrangimento algum nisso. Caras como o Olivinha, ao invés de darem piti, entendem que eles fazem outras coisas que as estrelas não conseguem fazer tão bem. Coisas que muitas vezes não damos importância, como diminuir o percentual de arremesso dos adversários ou passar a bola na altura certa. E é justamente por isso que eles se tornam imprescindíveis ao time.
Tava esperando um Pirlo, molambada?No futebol, é muito difícil identificar os role players. Em parte porque o esporte é pobre em estatísticas, em parte porque nunca aceitamos que o time não use o máximo de talentos disponíveis em um mesmo onze inicial. É como quando jogávamos Elifoot 98 e apertávamos “M” para escalar os melhores jogadores. Acontece que a vida não é um Elifoot. Ajustes requerem tempo, exigem esforço e muita força de vontade. E é nesse contexto que ninguém se pergunta: será que Canteros, Cuellar ou Ronaldo se dedicam mais que o Márcio Araújo no cumprimento do papel tático? O camisa 8 dá um determinado ritmo à saída de bola, cobre as laterais, desafoga o combate direto dos zagueiros. Ações que Muricy Ramalho espera DAQUELA posição. Canteros é potencialmente melhor que o Márcio Araújo? Sim. Mas será que ele faria exatamente essas coisas E num nível mais alto? Provavelmente não, ao menos por agora. Se o menino Ronaldo é lançado nessa função e, por exemplo, não consegue marcar os adversários no mesmo ritmo, ou vão detonar o moleque ou sugerir que mudem o esquema, de modo a coloca-lo num papel que o deixe confortável.
Cumprir papeis táticos implicam em entender a sua posição, seja como estrela ou role player. Implica em treinar e desenvolver habilidades para assumir tal função sem perder a qualidade de quem você está substituindo. Márcio Araújo não é perfeito, longe disso. E é improvável que, aos 30 anos, siga evoluindo. Provavelmente, quando sair do time, será lembrado como um burocrata. Eu, entretanto, lembrarei dele como um bom role player. O cara que não tem vergonha de assumir um papel simples, por um bem maior.
@Danisendebo