O Flamengo vive dias conturbados. Depois de ser facilmente superado pelo Fluminense nos dois jogos das finais do Campeonato Carioca 2022, o Rubro-Negro lambe as feridas e busca entender os motivos para um rendimento tão abaixo do potencial do clube. Às portas das três competições mais importantes do ano (Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil), o Mais Querido busca paz para retomar os melhores momentos de um grupo que empilhou taças em 2019 e 2020, mas que acumula cinco vices desde novembro de 2021.
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Como um clube com as contas em dia, faturando mais de R$ 1 bilhão por ano, com estrutura de treinamento de nível europeu e com elenco de reconhecida qualidade está jogando tão pouco? O que se quebrou no ambiente do Ninho do Urubu? É culpa da diretoria? Da comissão técnica comandada por Paulo Sousa? Dos jogadores? Para tentar entender melhor a instabilidade que se instalou no Flamengo, fomos examinar a derrocada de um outro gigante do futebol brasileiro, o Grêmio de Porto Alegre.
Campeão da Copa do Brasil em 2016. Campeão da Libertadores em 2017. Semifinalista da Libertadores em 2018 e 2019. Finalista da Copa do Brasil em 2020. O tricolor gaúcho viveu três anos de boas atuações e bons resultados nas principais competições do continente, mas viveu um ano desastroso em 2021, que terminou com o terceiro rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro da história do Clube. O que aconteceu? Que lições o Flamengo pode tirar da derrocada gremista? O Mundo Rubro-Negro conversou com o jornalista Carlos Guimarães, comentarista da Rádio Guaiba, de Porto Alegre, sobre a trajetória do Grêmio de 2016 até o rebaixamento em 2021. Aqui estão os principais pontos que Guimarães destacou. Veja quantos estão acontecendo também no Ninho do Urubu.
1. Clube saneado e vencedor
Na presidência do Fabio Koff (2013/2014), o Grêmio investiu em vários jogadores, incluindo Dida, Zé Roberto, Kleber Gladiador, Barcos mas os resultados não vieram. Quando o Felipão deixou o clube em 2015 e foi substituído pelo Roger Machado, ali o Grêmio já estava bem estruturado administrativamente. Com isso, o Roger teve tempo para implantar sua característica de jogo com os jogadores que se encaixavam na proposta. Os resultados voltaram e o Grêmio terminou em terceiro no Brasileiro.
2. Renato e a centralização
Com a chegada do Renato (Set/2016), o Grêmio começou a cometer o seu primeiro grande erro. Tudo foi centralizado nele. O Renato é uma figura muito forte na história do Grêmio. Então, quando você centraliza em uma pessoa as funções de treinador, vice de futebol, psicólogo, quando essa pessoa sai, o que você tem é a derrocada.
3. Departamento de Futebol fraco
Com a centralização das decisões no Renato, o Departamento de Futebol do Grêmio tinha uma função muito mais institucional do que de vestiário. As questões de vestiário eram todas tocadas pelo Renato. A figura de um Diretor Executivo forte, como Paulo Pelaipe era no Flamengo, é muito importante. O Grêmio não tinha isso. Os caras que estavam lá quase não tinham contato com os jogadores. Foram totalmente ofuscados pelo Renato. Dois exemplos da atuação do Renato. Como ele cuidou para que o Luan não se jogasse na noite de Porto Alegre e como ele uma vez ligou para o pai do Matheus Henrique para o pai mandar o Matheus se desculpar com o Kannemann, depois de um desentendimento entre os dois. Isso dá uma ideia de como o Renato foi fundamental, mas isso não é papel de técnico.
4. Gestão de grupo desfocada
O Grêmio demorou demais para renovar o ciclo. E começou com a demora para mandar o Renato embora. Ele deveria ter saído no final de 2019, quando então o Grêmio teria tido tempo para se distanciar dele. Ao invés disso, ele saiu só em 2021, já no meio da temporada. Se tivesse saído em 2019, o clube teria tido tempo de tirar férias e depois fazer pre-temporada com outro técnico. Além do Renato, o Grêmio demorou para encerrar o ciclo do Maicon, que foi um jogador fundamental. Mesma coisa o Cortez, além de outros jogadores, que ainda representavam aquela geração campeã da América. Deveria ter ficado só com Geromel e Kannemann. O Matheus Henrique deveria ter sido vendido muito antes também. Mesma coisa o Jean Pierre. O Grêmio recusou uma proposta do Palmeiras pelo Jean Pierre que incluía o Rafael Veiga. Então, foi em 2019 que o Grêmio perdeu o fio da meada. No futebol brasileiro, dificilmente os jogadores vão ter um ciclo maior do que três anos.
5. Desorganização, divisão, negação e queda
O rebaixamento não acontece por acaso. Os sinais estão no campo e fora dele. O primeiro dele é a formação de panelas dentro do grupo. No Grêmio, foi nítido. Tinha a panela dos vencedores e a dos jovens. Não tinha nada que juntasse as duas. No caso do Grêmio, teve a contratação de um medalhão que vai desunir ainda mais o grupo. No caso, o Douglas Costa. A chegada dele dissolveu o vestiário. Foi uma medida populista da diretoria. Aliás, medidas populistas da diretoria são outro sinal. As tentativas magalomaníacas de contratar o Borré, do River Plate, e o Cavani foram outros dois exemplos. Isso tudo aparece no campo. O time se apresenta desorganizado, sem identidade. E por fim, vem o processo de negação. No Grêmio, veio da direção, com aquelas declarações de que o “campeonato é longo”, “estamos no início”, “a culpa foi da arbitragem”, “o adversário só ficou na retranca”. Esse é o estágio final, quando o clube não sabe porque está perdendo e porque está caindo. No Grêmio, tem gente que até hoje não sabe porque caiu.
Abre o olho, Flamengo!
O relato de Carlos Guimarães traz semelhanças marcantes com o que se vê no Flamengo atualmente. Depois do sucesso centralizador de Jorge Jesus, a torcida foi vendo o departamento de futebol se desarticular aos poucos. A demissão do Gerente de Futebol Paulo Pelaipe em janeiro de 2020 foi o primeiro sinal. No seu lugar, entrou em cena o Conselhinho do Futebol, que reúne Luiz Eduardo Baptista, o Bap, Marcos Braz, Dekko Roisman, Diogo Lemos e Fábio Palmer. O que se seguiu foi vácuo de poder e confusão.
No vestiário, as notícias de formação de panelas começaram a surgir. Teria a panela dos mais velhos, a panela dos jovens, a panela do Gabigol, etc. E o campo reflete isso. Do time envolvente e intenso de 2019/2020, pouco restou. Hoje sobram chutões, lentidão e falta de espírito de decisão. As quatro chances perdidas de garantir o título da Supercopa do Brasil contra o Atlético-MG são um exemplo claro de que algo se quebrou no espírito do grupo. Será que vem ai a fase da negação? Abre o olho, Flamengo.