Luiz Antônio Simas publicou recentemente em seu perfil no Facebook deliciosa história de um juiz que não se continha em roubar a favor do Atlético-MG.
O MRN publica a crônica para mostrar um pouco, de forma espirituosa, a demagogia que gira em torno das eternas reclamações e teorias conspira de favorecimento da arbitragem que permeiam a crônica dos vencidos no futebol brasileiro.
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Personagens miudinhos do futebol brasileiro: Cidinho Bola Nossa
Por Luiz Antonio Simas
Alcebíades Magalhães Dias, o Cidinho, foi um juiz de futebol de Minas Gerais que só soube fazer uma coisa na vida melhor que apitar: torcer para o Atlético Mineiro. Como as duas coisas são aparentemente incompatíveis, ser juiz e torcer de forma absolutamente escancarada por um time, Cidinho aprontou coisas do arco da velha nas quatro linhas.
O mundo do futebol, sobretudo antes dos tempos do “futebol-empresa”, é tributário da cultura oral na produção da memória da bola. Cidinho é daqueles personagens em que descobrir onde começa a História e termina o Mito é rigorosamente impossível. A história mais famosa sobre Sua Senhoria aconteceu durante um jogo entre o Galo e o Botafogo, em 1949.
A bola saiu pela lateral e houve uma indefinição sobre a quem pertenceria a redonda. O beque do Atlético, Afonso, estava discutindo com um jogador do Glorioso, Santo Cristo, para saber quem bateria o lateral. Resolveram consultar o árbitro.
Cidinho respondeu com voz de comício: “Bola nossa! É nossa, Afonso; é bola nossa”. Passou a ser conhecido como Cidinho Bola Nossa e adorou a deferência.
Em outra ocasião jogavam os extintos Sete de Setembro e Asas. Como o Atlético Mineiro jogaria três dias depois contra o vencedor da partida, Cidinho encontrou uma ótima maneira de cansar o futuro adversário do Galo: deu três horas e dez minutos de bola rolando.
Isso mesmo, Bola Nossa deu inacreditáveis 100 minutos de acréscimos, recorde mundial – e pra todo sempre imbatível – em uma partida de futebol.
O próprio Cidinho, aliás, gostava de relatar como foi sua estreia no apito – com o objetivo admitido de ser parcial. Jogavam, em 1945, Atlético Mineiro e América. Jogo decisivo para o certame. Aos quarenta segundos do primeiro tempo, em uma falta simples, Cidinho expulsou Fernandinho, ponteiro do América. Foi aplaudido pela torcida do Galo e declarou se sentir realizado.
Cidinho saiu corrido de estádios e quase morreu dezenas de vezes. Ameaças de linchamento foram pelo menos umas quinze. Em uma delas, em um jogo do Atlético contra o Metalusina, em Barão de Cocais, marcou um pênalti aos quarenta e um do segundo tempo para o Galo em uma falta ocorrida na intermediária, uns dez metros antes da entrada da área.
No que o jogador do Atlético caiu, Cidinho deu a clássica corrida apontando a marca do pênalti, com tremenda autoridade e pose de vestal. Cercado pelos jogadores do Metalusina, declarou apenas: penalidade máxima. Pênalti claro, a falta foi pelo menos meio metro dentro da área. Quem reclamar vai pro chuveiro mais cedo.
Mais uma vez ameaçado de morte, ficou quase três horas protegido pela polícia no meio de campo e só conseguiu sair da cidade vestido de cigana, com argolas nas orelhas, leque, saia rodada e o escambau. Em duas outras ocasiões foi salvo da morte pelo Corpo de Bombeiros.
Cidinho Bola Nossa morreu com noventa e tantos anos. Confessou, já quase cantando pra subir, uma única e grande frustração em sua vida: achava que merecia um busto na sede do Atlético Mineiro, por serviços prestados ao clube. Legou ao futebol pelo menos uma sentença exemplar:
“Nunca fui desonesto. Acontece que sou passional e não consigo ver a massa sofrendo. Jamais traí o povo.
(Texto original de 2009, reescrito para um livro sobre os miudinhos do futebol brasileiro que pretendo, qualquer hora dessas, publicar, na convicção de que as desimportâncias do futebol das várzeas, dos perebas, dos derrotados, dos fracassados, dos frangueiros, das arquibancadas precárias de madeira e cimento, traça certo painel afetuoso do Brasil que me interessa)