Dizem por aí que o futebol pode ser dividido em quatro dimensões: técnica, tática, física e psicológica. A atuação de um time é o balanço entre esses quatro aspectos e, muitas vezes, uma equipe pode usar a sobrecarga física ou psicológica para vencer uma outra que é tecnicamente superior.
A goleada de ontem na Ilha sublinhou duas dessas características. A parte mais interessante do jogo se deu na disputa técnica e psicológica. Tecnicamente o Flamengo foi superior durante todo o jogo e contou com uma noite inspirada de seus principais jogadores. O componente psicológico ficou para o início do segundo tempo, quando Thiago falhou no gol e o jogo, já desenhado para uma vitória tranquila ganhou contornos de drama, com o Flamengo tomando pressão por quinze minutos.
No plano tático, foi um jogo bem simples, com dois times usando esquemas bastante parecidos e sem nenhuma variação importante – pelo menos enquanto o resultado estava em disputa. O mais interessante da parte tática ficou por conta de quatro duelos que definiram o posicionamento das duas equipes e acabaram definindo o placar.
Diego x Andrei Girotto
Zé Ricardo disse na entrevista após o jogo que, com o intuito de bloquear as subidas de Luiz Antônio e Andrei Girotto, pediu para Diego formar uma linha de quatro no meio campo ao lado de Arão, com Berrío e Everton abertos na mesma linha. O que se viu no jogo, no entanto, foi um pouco diferente.
Diego caía mais pela esquerda e Arão ficava mais preso do lado direito. O meio-campo jogava em bloco, coisa que não era comum nos últimos tempos no Flamengo. Em vários momentos vimos Diego recuando até a entrada da área para disputar a segunda bola em cruzamentos da Chape, mas ele não jogava exatamente ao lado de Arão. Diego estava sempre um pouco mais adiantado.
Para o torcedor acostumado ao Championship Manager ou com os comentaristas da Globo, Diego é meia e Arão é volante, portanto é um absurdo colocá-los em posições similares. Na verdade, pedir para o meia fechar a linha de do meio-campo é a coisa mais normal do mundo hoje. O posicionamento adiantado não se deve apenas à característica de cada jogador.
Da mesma forma que Diego acompanhava Andrei Girotto, o jogador da Chape tinha a missão de guardar o craque do Flamengo. Surge aí o dilema do ovo e da galinha. Quem veio primeiro? Se Girotto avança, Diego tem que acompanhá-lo. Mas se Diego não acompanha, Girotto não pode subir, pois deixará espaço às suas costas.
Percebendo a marcação quase individual, Diego mostrou sua inteligência. Acompanhou as subidas de Girotto sim, mas se adiantou na saída de bola da Chape para forçar o volante a não subir tanto. Marcar nem sempre é dar carrinho.
Berrío x Reinaldo
Uma das principais jogadas da Chape é a subida simultânea dos dois laterais, Apodi pela direita e Reinado pela esquerda. Quando o time catarinense sai com a bola, os laterais se posicionam “alto” no campo, ou seja, bem adiantados. Berrío e Everton tinham a missão de acompanhá-los.
O colombiano fez seu papel, marcando Reinado de perto. Isso fez com que ele não participasse tanto da marcação pressão lá na frente, o que irritou a torcida em alguns momentos, mas sua missão não era essa.
O interessante, porém, é que Berrío só acompanhava o lateral até a intermediária de defesa do Flamengo. No último terço do campo, Arão colava por ali e Berrío, em vez de acompanhar, se projetava no espaço vazio deixado pelo lateral adversário.
Em alguns momentos, vimos Reinaldo e Artur tentando construir jogadas pela esquerda, marcados por Rodinei e Arão, com Berrío mais adiantado e aparentemente só olhando. Dessa vez, não pareceu preguiça, mas estratégia. O Flamengo até conseguiu puxar alguns contra-ataques por ali.
Trauco x Rossi
O jogador mais perigoso da Chapecoense era o ponta direita Rossi. Rápido e habilidoso, ele deu trabalho por ali. Coincidência ou não, ele jogava em cima do jogador defensivamente mais frágil do Flamengo.
Trauco é bom jogador, bate bem na bola e está começando a soltar a perna nos chutes. Por outro lado, tem um péssimo posicionamento na defesa. Ele precisa de cobertura sempre, mesmo quando está posicionado. Não é incomum surgir um lançamento em suas costas com a defesa completamente montada.
Foi nisso que a Vagner Mancini apostou. A grande esperança da Chape, além das bolas paradas, era o um-contra-um entre Rossi e Trauco.
O peruano acabou ficando preso, sem poder subir muito, mas foi bem defensivamente, realizando cinco desarmes no jogo (ele tinha dois desarmes em quatro jogos no campeonato). Boa parte desse desempenho se deu pela cobertura defensiva. Juan teve que sair várias vezes para ajudar, mas quem mais deu suporte foi Márcio Araújo.
Para mim, o camisa 8 foi o pior do Flamengo em campo. Com a bola, não produziu nada. Ao fim do jogo, Zé Ricardo disse que precisava de um volante rápido para cobrir as inversões de jogo do adversário. Não quero argumentar que Cuellar não tivesse condições de fazer isso, mas a preocupação era verdadeira. Quando a bola chegava a Rossi, Márcio Araújo já disparava na cobertura.
Trauco, Márcio Araújo e Juan fizeram, juntos, onze desarmes e apenas duas faltas, efetivamente parando o lado forte do adversário.
O desenho tático
Esses três duelos definiram o jogo taticamente. Diego um pouco mais adiantado, Arão bastante pela direita, com Berrío aberto por ali e Márcio Araújo fazendo a cobertura pelo lado esquerdo.
Um último duelo foi determinante. Não tanto na parte tática, mas acabou definindo o placar.
Guerrero x Victor Ramos
Victor Ramos marcava diretamente Guerrero nos três gols – e ainda na bola que ele girou e bateu de fora da área. Guerrero estava inspirado, conseguiu se dar bem no duelo durante os 90 minutos e matou o jogo para o Flamengo. Victor Ramos, mesmo com o gol (de sorte) foi decisivo contra a Chapecoense.
Conclusões
Finalmente uma boa partida do Flamengo! Finalmente saímos do estádio com a impressão de que o time todo foi bem. Pelo jogo, merecíamos uma vitória tranquila, mas o placar elástico foi um pouco enganoso. O principal ponto positivo foi ver o Flamengo se impondo tecnicamente contra o adversário. Para um time que é considerado um dos melhores no papel, isso deveria ser mais comum.
O ponto negativo fica por conta dos quinze minutos de pressão depois do gol. O time parece ter se abalado muito com a falha de Thiago, ficando perdido em campo. Acho que Zé Ricardo deveria ter feito uma substituição ali.
Voltamos a jogar bem. Mas ainda é muito pouco.
Foto: Reprodução
Téo Ferraz Benjamin escreve as análises táticas do MRN. Siga-o no Twitter: @teofb
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