Há uma enorme diferença entre estar no banco de reservas por uma ou duas partidas e ser barrado. Torcida comprou discurso errado
Blog Ninho do Urubu | Bruno Guedes – Twitter: @eubrguedes
Tornou-se quase uma rotina semanal a busca midiática por crises no Flamengo. Quando Domènec chegou e os resultados ainda demoravam a aparecer, diziam que o elenco não comprava suas ideias, diferenças táticas e outros. Agora, com a terceira vitória seguida e a briga novamente pelo título, afirmam que os jogadores estão incomodados com o rodízio nas partidas. Só que, por mais difícil que pareça para quem vive um futebol jurássico como o brasileiro, estar na reserva não é a mesma coisa que ser reserva.
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Como a coluna trouxe há algumas semanas, os boatos e teorias da conspiração têm irritado dirigentes, comissão técnica e jogadores. A nova é a insatisfação com o rodízio, algo irreal. Durante a semana livre de treinos, há 10 dias, Torrent conversou com o grupo e explicou que precisaria revezar atletas por conta da sequência de jogos desumana. A maior preocupação do catalão era não só com a forma física que seria afetada diretamente, como também e principalmente, a parte do rendimento em campo.
Por ter trabalhado 12 anos com Guardiola, Dome conhece de perto as metodologias do preparador físico Lorenzo Buenaventura, um dos pilares do guardiolismo. De acordo com Lorenzo, que é também uma lenda do polo aquático espanhol, a falta de tempo para recuperação física é um dos maiores problemas para desempenho em campo das equipes, como revelou no livro “Guardiola – Confidencial” (Editora Grande Área). Segundo ele, no terceiro dia após um jogo, o atleta recuperou apenas 80% da forma física. E isso, caso tenha feito uma alimentação adequada. Depois de quatro jogos consecutivos em ciclos de três dias, o risco de lesão aumenta em 60%.
Por conta disso, o rodízio é a única solução para o calendário tão ruim quanto o brasileiro. E pode ser determinante para o sucesso do Flamengo. Isto porque, com exceção do Palmeiras, nenhuma outra equipe tem um elenco cujos reservas são quase do mesmo nível que os titulares. Estamos apenas na oitava rodada e os problemas não apareceram ainda. Mas dentro de um ou dois meses, diversos times não terão desempenho semelhante ao de agora por tal motivo, a falta de jogadores para rodar e poupar titulares.
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É por conta disso que está errado afirmar que Gabigol ou Arrascaeta foram “barrados”. Isso beira até a uma tentativa de enganar a torcida. Ser barrado é ficar de fora de uma sequência de jogos, caso que não ocorreu e dificilmente ocorrerá com ambos, por exemplo. Estar na reserva é diferente de ser reserva. No caso do Gabriel, contra o Fortaleza, há ainda um agravante: o atacante vinha de uma lesão. Colocá-lo desde o início, com o adversário quase totalmente recuperado fisicamente, poderia ser um risco pelo desgaste e esforço.
Nos casos dos meias Arrascaeta e Éverton Ribeiro, o que ambos estão fazendo desde que foram poupados prova o sucesso da iniciativa do novo técnico rubro-negro. Recuperados fisicamente, os dois vêm de desempenhos muito bons. A partida durante a semana, contra o Bahia, mostrou o quanto cada um pode oferecer em condições ideais. Mesma razão pela qual são substituídos constantemente. São muito acima dos jogadores que atuam no Brasil. Cansados, acabam ficando iguais aos demais.
Na Europa, de onde vem o Domènec e cuja filosofia é toda baseada, isso é extremamente comum. Inclusive com craques. Na temporada 2017/2018, Zidane, então técnico do Real Madrid, poupou Cristiano Ronaldo de diversas partidas. Acostumado a jogar em média 36 rodadas, jogou 27. E teve seu desempenho não só potencializado por toda a temporada, como números fantásticos. Já com 33 anos, teve um gol por cada jogo disputado. Tudo porque o técnico percebeu que deste modo teria a lenda portuguesa 100% fisicamente quase sempre.
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Entretanto, o discurso de que há insatisfação ou barração de jogadores é também algo que, assim como foi com Jorge Jesus, passa pela má vontade da imprensa nacional com técnicos estrangeiros. Renato Gaúcho, anualmente, poupa não só os onze titulares como nem ele mesmo comparece a algumas partidas. Tudo para ter condicionamento físico ideal para os demais jogos. E quase nenhuma crítica quanto a isso, mesmo não tendo sucesso esportivo. Principalmente quando parte de ex-jogadores e ex-técnicos, onde o convívio entre eles é constante. Como criticar Renato e depois cruzar com ele em algum evento?
A torcida do Flamengo, que durante a década sofreu com jogadores questionáveis e sérios problemas de elenco, não pode comprar este discurso. O rodízio é não só necessário, como fundamental para a temporada que ainda está no começo. Além da Libertadores, o clube terá Copa do Brasil e mais 30 rodadas no Brasileirão. Deixem o Torrent trabalhar. Ou melhor, aprendam com quem tem algo a oferecer muito além do “fechar a casinha” e ter “onze titulares”. Estes, mais nada têm a oferecer ao futebol.
*Créditos da imagem destacada no post e nas redes sociais: Alexandre Vidal / Flamengo
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