A semifinal contra o Junior Barranquilla trazia consigo a esperança de não encerrar o ano de forma melancólica. A resposta mediana do torcedor, fazendo com que um setor inteiro do Maracanã fosse fechado, denunciava que essa não era uma esperança de muitos. Há um indisfarçável gosto amargo de fim de festa, de um ano que a torcida cobrou como poucas vezes uma ação mais enérgica do futebol.
A decisão catastrófica seguida de entrevista idem de Bandeira de Melo após a eliminação da Libertadores no estádio do San Lorenzo condenou o ano a este punhado de quases, a uma sequência de omissões que tirou o Flamengo da disputa de um dos campeonatos brasileiros mais fáceis da história. Insistiu-se demasiadamente com Zé Ricardo, que insistiu demasiadamente com Vaz, Márcio Araújo, Muralha. Um ano não vivido pelo Flamengo, assim será lembrado 2017. Daí a esperança de que esta Sul-Americana possa ser algum veneno antimonotonia.
As reportagens foram buscar o último confronto com os colombianos no distante 1984, nossa primeira Libertadores sem Zico. Uma boa vitória fora de casa, um jogo sonolento no Maracanã, com hat trick de Edmar em partida apenas para cumprir tabela – à época, crianças, cumpria-se tabela em Libertadores com o Flamengo classificado antecipadamente.
O gosto amargo de fim de festa aumentou no Maracanã quando Diego Alves saiu com fratura na clavícula e em seu lugar entrou Muralha. Que personagem sofrido este Alex Roberto. Em pouco tempo viu a torcida se desesperar com a sua entrada, viu a torcida gritar seu nome em tentativa de apoio, viu sua meta ser vazada no primeiro ataque. Talvez fosse preciso algo mais forte que um veneno antimonotonia. Deixei a cerveja de lado e servi-me de uísque. Duplo. Sem gelo.
O Flamengo passou a atacar como pôde. A torcida pediu raça no intervalo, e não me pareceu que foi isso o que faltou, embora a percepção de quem está no estádio possa ser mais aguçada neste quesito do que aquele que está em casa, rumo a sua segunda dose de uísque. A mim parecia que faltava capacidade de jogar com a bola no chão, de triangular, de ser menos previsível. Então lembrei de outro 23 de novembro, o de 1981, aquela noite vivida em Montevidéu. Mais uma dose de Glenlivet como se fosse água e um suspiro de saudade.
A entrada de Vinicius Júnior deu ao time um ânimo de pelada. Me pareceu que vivíamos a iminência do empate, que estávamos mais velozes, que o adversário não ameaçava mais. Mas também cogitei que talvez fosse o uísque. Seja como for, Juan voou na área para marcar o empate, e fazer justiça a ele talvez seja o melhor dos motivos para ganhar este torneio. Aí não havia a menor dúvida da virada, sabiam disso todos que estavam no Maracanã embalados pelo canto da torcida, sabia eu embalado pelo Glenlivet 18 anos. Quando este uísque foi para o barril a gente já comemorava gols do Juan, pensei.
Então veio a virada, o golaço do Vizeu, que me trouxe uma lembrança mais obscura, o gol do Maestro Junior contra o Estudiantes em 1991 no Mané Garrincha, na finada Supercopa Libertadores. Ajeitada de cabeça e pá, voleio no ângulo esquerdo. Por um breve instante pudemos deixar de lado a melancolia de 2017, e decidi que era hora de dormir sem questionar se estava feliz com a vitória, com as lembranças de um velho Flamengo ou com os 18 anos que fizeram muito bem ao single malt que me ajudou a virar o jogo.
Flamengo 2, Junior Barranquilla 1, Glenlivet 18. Guardei meia garrafa para a partida de volta.
Mauricio Neves é autor do livro “1981 – O primeiro ano do resto de nossas vidas” e escreve no MRN todas as sextas-feiras. Siga-o no Twitter: @flapravaler
Imagem usada no post e nas redes sociais: Gilvan de Souza / Flamengo