Por Rodrigo Rötzsch (Twitter: @rodrigorotzsch)
Salvo um novo imprevisto – e sabemos que eles já foram vários – a Caravana Rolidei do Flamengo 2016 parece ter feito no Pacaembu sua última parada.
(Caravana Rolidei, para quem não sabe, é o nome da trupe mambembe liderada pelo personagem do saudoso rubro-negro José Wilker no clássico “Bye, Bye Brasil”, de Cacá Diegues, que percorre o interior do Brasil fazendo espetáculos para a população que ainda não tinha acesso à televisão).
Meses atrás, muito se reclamou da falta de planejamento da diretoria rubro-negra por não buscar uma opção para realizar seus jogos no Rio de Janeiro com o fechamento simultâneo do Maracanã e do Engenhão para os Jogos Olímpicos, que já era de conhecimento público há anos. Por mais válida que seja a discussão, o saldo da decisão de não construir essa casa e jogar Brasil afora acabou sendo triplamente positivo para o Flamengo, nos aspectos esportivo, financeiro e simbólico.
Começando pelo mais importante: o esportivo. Para surpresa de muitos, o Flamengo realiza sua melhor campanha nos pontos corridos, e com folga. Os 57 pontos em 29 rodadas, com aproveitamento de 66%, superam e muito o recorde anterior do clube, de 49 pontos em igual número de rodadas em 2008.
Outro recorde, porém, é mais significativo: em toda a sua história no Brasileiro, o Flamengo jamais havia vencido nove partidas consecutivas como mandante, como acaba de fazer no ano em que não tem casa fixa.
O recorde anterior foi obtido há 36 anos, no ano do primeiro título brasileiro; o Flamengo venceu suas últimas oito partidas no Maracanã, culminando com os 3×2 no Atlético-MG que garantiram o título de 1980. Nos pontos corridos, a sequência máxima também era numa arrancada para o título: em 2009, o time venceu seis jogos seguidos em casa antes de empatar com o Goiás na antepenúltima rodada.
As constantes viagens também não trouxeram maiores prejuízos físicos para o Flamengo – o investimento no departamento médico mostrou-se acertadíssimo com poucas lesões musculares.
Incluindo os jogos fora de casa, o Flamengo perdeu apenas um dos últimos 16 jogos, sendo o líder dessa perna do campeonato com 37 pontos, 4 a mais que o Atlético-MG e 5 a mais do que o Flamengo.
Se o título escapar, o turbulento início de campeonato, incluindo uma derrota para o Palmeiras – será o maior culpado. Josep Guardiola já disse que os campeonatos se perdem nas primeiras oito rodadas e se ganham nas oito últimas. Antes das nove vitórias consecutivas, o Flamengo teve um desempenho sofrível com 2 vitórias, 2 empates e 2 derrotas. Apesar disso, no cômputo geral, tem sua melhor campanha como mandante nos pontos corridos, o que ajuda a explicar a colocação na tabela.
Não sei se é possível traçar essa relação de causalidade, mas há quem atribua ainda o bom desempenho do Flamengo fora de casa ao costume de viajar sempre para jogar. Não sei se ajuda, mas certamente não trabalha. Há outras vantagens intangíveis também, como a maior união do grupo que acaba passando mais tempo junto e a menor pressão sobre alguns jogadores que estavam longe das graças da torcida no Maracanã – caso de Pará, por exemplo. Ontem, no Pacaembu, tivemos Paulo Victor tendo o nome gritado pela torcida com cinco minutos de jogo – comportamento que tenho minhas dúvidas se seria repetido no Maracanã.
Passemos ao segundo aspecto, o financeiro. Com o jogo de ontem, o Flamengo arrecadou R$ 8.681.882,52 líquidos nos 12 jogos fora do RJ como mandante – incluo aqui os 15% penhorados por jogo também, porque esse dinheiro também entra no caixa e serve para saldar nossas dívidas trabalhistas. Isso dá uma média de R$ 723.490,21 por jogo – ou dez vezes o que o Fluminense arrecadou no jogo em que mais lucrou no Giulite Coutinho (R$ 77.308,25) e 11 vezes o que o Botafogo lucrou no seu jogo de maior renda no Luso-Brasileiro (R$ 65.349,71).
Excluo propositadamente da conta os três jogos em Volta Redonda, que nunca fizeram parte do planejamento e foram realizados mais por uma idiossincrasia de Muricy Ramalho – que, sabemos agora, não tinha mais saúde para ficar viajando de avião duas vezes por semana. Somados, esses três jogos deram um prejuízo de quase R$ 80 mil, o que explica porque o Flamengo não passou mais perto do Raulino de Oliveira antes do Fla-Flu da próxima quinta-feira). Esses quase R$ 9 milhões representam, por exemplo, mais dinheiro do que o Flamengo receberá por ano da MRV num contrato de patrocínio que suamos muito para conseguir, ou três quartos do dinheiro que está sendo investido ao longo do ano para concluir o módulo profissional do CT, ou mais de um ano do salário do Diego, jogador-chave que pudemos trazer ao longo do campeonato. Sem contar que além de arrecadar pouco, Fluminense e Botafogo ainda investiram para reformar os estádios que estão usando como inquilinos – no caso do Botafogo, quase R$ 5 milhões.
No plano simbólico, o Flamengo mostrou mais uma vez o caráter único e nacional de sua torcida. As festas no aeroporto serão lembradas por muito tempo – e só aconteceram na intensidade que aconteceram pela saudade que a torcida do Rio sente de ver o time de perto. Enquanto discute o sonho de fazer um estádio na Gávea, o Flamengo encontrou em Cariacica a sua segunda casa, que pode continuar sendo usada para jogos de menor apelo no Maracanã. Nem a eliminação para o Palestino com um time misto e desinteressado abalou a aura de invencibilidade que paira sobre o Flamengo no estádio e que permitiu ganhar nos últimos suspiros jogos contra a Ponte e o Cruzeiro. Caiu em Cariacica, o Urubu bica, eles dizem – ou alguma versão menos publicável de significado semelhante.
O Pacaembu, última parada da caravana, é um capítulo à parte. A imprensa e a torcida paulista ficaram especialmente incomodadas de não uma, mas três vezes no ano o Flamengo mostrar que é capaz de encher o icônico estádio. Contra o Figueirense, no mesmo dia, colocou mais torcedores que o Santos no mesmo estádio. Contra o Santa Cruz, teve mais torcida que Corinthians e Santos em jogos da mesma rodada em SP. Feitos impressionantes que ficarão marcados com ou sem título.
Agora, retomando a metáfora inicial, é hora de dar “bye, bye Brasil” e voltar para casa. Mas o Brasileiro de 2016 ficará sempre marcado como o ano em que a Caravana Rubro-Negra fez história país afora.
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