Dia 8 de fevereiro. A data mais triste da história do Clube de Regatas do Flamengo. Há exatos três anos, dez famílias perdiam dez filhos. Dez adolescentes. Dez jogadores. Dez vidas. Dez Garotos do Ninhos.
Dez meninos que sonhavam em ter o nome entoado no Maracanã. Ou terem uma música dedicada a eles. E eles têm. Mas infelizmente não da maneira que gostaríamos.
Às 5h17, do dia 8 de fevereiro de 2019, começaram as chamas no contêiner que servia de alojamento para os adolescentes. Naquela madrugada, haviam 24 meninos no local, cuja capacidade é para 36 pessoas. Além disso, tinha outros dois garotos em um contêiner ao lado.
Na casa ao lado, tinha o monitor responsável pelos menores. Contudo, de acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, é preciso ter um monitor para cada dez jovens. Além disso, o órgão também exige uma “equipe noturna acordada e atenta” a movimentações.
O incêndio
O incêndio começou por conta de um curto-circuito no ar-condicionado no quarto 6. Os três ocupantes do quarto 5 — Filipe Chrysman, Jean Sales e Felipe Cardoso — se salvaram. Ao lado, estavam Samuel Costa e Rykelmo Bolivia Vianna — uma das vítimas fatais. Enquanto no quarto ao lado, todos — Rayan Lucas, Wendel Alves, Naydjel Callebe, João Vitor Gasparini, Kayque Soares e Caike Duarte — conseguiram escapar.
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No entanto, no quarto 3, a situação foi diferente. Dos cinco ocupantes, três —Cauan Emanuel, Francisco Dyogo e Jhonata Ventura — sobreviventes escaparam pela janela, que teve as grades quebradas pelos monitor e o segurança do clube. Mas os meninos tiveram ferimentos graves. Jhonata, inclusive, teve de 30 a 40% do corpo queimado. Mesmo assim, o atleta se recuperou e reestreou no futebol em junho do ano passado, no Brasileirão sub-17. Entretanto, os outros garotos do quarto, Athila Paixão e Vítor Isaias, não conseguiram escapar.
Já no quarto 2, houve apenas um sobrevivente. O adolescente Pablo Ruan conseguiu se espremer entre as grades e sair a tempo. Contudo, Christian Emero, Jorge Eduardo e Samuel Thomas Rosa não tiveram a mesma chance. Por fim, o último quarto, o mais distante do incêndio, não teve sobreviventes. Gedson Santos, Bernardo Pisetta, Arthur Vinícius e Pablo Henrique faleceram no local.
A repercussão
Logo nas primeiras horas da manhã do dia 8, os chefes dos poderes municipal, estadual e federal se solidarizaram com as famílias das vítimas. A cidade e o estado do Rio de Janeiro decretaram luto oficial de três dias pelos dez Garotos do Ninho.
Jornais de todo o mundo repercutiram o incêndio do Ninho do Urubu. Além disso, jogadores de rivais e de gigantes estrangeiros também enviaram condolências — por exemplo, Pelé, Roberto Dinamite, Messi e Cristiano Ronaldo.
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As homenagens também se estenderam para dentro dos gramados. Antes de todas as partidas após a tragédia houve um minuto de silêncio para as vítimas.
O Corinthians, por exemplo, chegou a colocar o escudo do clube ao lado do Flamengo em uma camisa antes da partida. Já os jogadores do Sport carregaram o nome das vítimas no uniforme de jogo. O Vasco utilizou uma camisa de jogo com o escudo do Rubro-Negro com a mensagem “em frente, juntos”. A camisa cruzmaltina está no Museu do Flamengo, na Gávea, e é o único artefato de outro clube no local.
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Além disso, muitos jogadores prestaram homenagens. Foram os casos de Fred, Everton Cebolinha e do cria da base Lucas Paquetá. Por coincidência do destino, o Garoto do Ninho marcou o primeiro gol na Europa no fim de semana seguinte ao incêndio que matou os nossos 10.
Homenagens da torcida
A semifinal da Taça Rio entre Flamengo e Fluminense, marcada para o dia 9, foi adiada. Entretanto, houve festa em torno do Maracanã. Isso porque torcidas dos quatro grandes cariocas fizeram uma série de homenagens ao dez adolescentes mortos na tragédia.
Além disso, a Gávea também foi um lugar de celebração da memória das vítimas. As torcidas organizadas do Flamengo se reuniram para um ritual.
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Primeiramente, todos cantaram os nomes dos dez garotos, como se fosse uma escalação pré-jogo nas arquibancadas. Em seguida, cantaram “parabéns” para Arthur Vinícius — cujo nome é uma homenagem ao Zico — que completaria 15 anos no dia 9 de fevereiro. Os torcedores também fizeram uma oração, um minuto de silêncio e cantaram o hino do Flamengo. Por fim, um representante de uma organizada pediu a união das torcidas.
“A gente não precisa se reunir só para celebrar tristeza. Doeu para todo mundo igual. A partir de hoje, em homenagens aos que se foram, vamos mudar nossa história. Peço a ajuda de todo mundo, em nome do Flamengo e desses garotos”, apelou o torcedor.
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Infelizmente o pedido não foi atendido. No entanto, um ano depois da tragédia, a torcida voltou a homenagear os Garotos do Ninho. O começo da partida contra o Madureira ficou marcada por dez minutos de silêncio, quebrado somente pela música “Para sempre por vocês” em homenagem às vítimas. Além disso, torcedores exibiram faixas e bandeiras com o nome dos meninos e dizeres como “Nossos 10” e “Para sempre”. Houve, contudo, protestos contra a diretoria pelo pagamento de indenizações familiares: “A vida não tem preço. Paguem as famílias”.
Os avisos pré-incêndio
A Prefeitura do Rio informou que deveria haver um estacionamento e multou o Flamengo cerca de 30 vezes por infração. Além disso, o órgão também disse que o clube não tinha alvará para funcionamento do Ninho do Urubu. O Rubro-Negro conseguiu o alvará depois de quase quatro meses da tragédia.
Um relatório de um técnico contratado pelo clube mostra que a diretoria do Flamengo conhecia a situação de “grande risco” no Ninho do Urubu nove meses antes do incêndio, conforme divulgou o ge. O documento afirma que havia problema em diversos itens no “quadro elétrico atrás do alojamento da base”.
Além disso, o profissional alertou que a situação era “alta relevância e de grande risco”. Por fim, ele escreveu também que pontos como os “disjuntores” e o “quadro elétrico atrás do alojamento da base” precisavam de “atendimento emergencial”. O Flamengo, então, contratou a empresa C&B Instalações por R$8,5 mil, pago em duas parcelas, para realizar o serviço. No entanto, os itens permaneceram intactos e não houve uma reforma no local.
Responsáveis
Em janeiro do ano passado, o Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou onze pessoas pelo incêndio, entre elas o ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello.
Além dele, também foram citados Márcio Garotti (ex-diretor financeiro do Flamengo); Carlos Noval (ex-diretor da base e atual gerente de transição do clube); Luis Felipe Pondé (engenheiro do Flamengo); Marcelo Sá (engenheiro do clube); Marcus Vinicius Medeiros (monitor do Flamengo); Edson Colman da Silva – técnico em refrigeração; Claudia Pereira Rodrigues; Weslley Gimenes; Danilo da Silva Duarte e Fabio Hilário da Silva (funcionários da NHJ, empresa que forneceu os contêineres).
Após três anos do incêndio, ninguém foi responsabilizado ou preso pelo incêndio. O Flamengo pagou indenização a todos os familiares de vítimas fatais, físicas e psicológicas da tragédia. Entretanto, a exceção é a família do goleiro Christian Esmério, morto na tragédia.
O Flamengo inaugura hoje uma capela ecumênica com uma missa em homenagem aos dez Garotos do Ninho.