Quando é meu aniversário comemoro o ano que vivi, a sobrevivência. Sobreviver a estes tempos, neste canto do mundo, é motivo pra comemorar reunido a todos, com bolo e champanha. É pra chorar até, abraçar a cada amigo, o cachorro no quintal, o chefe no trabalho, o motorista do ônibus. É pra fazer promessa e agradecer a cada deus já imaginado neste mundo de tantas crenças.
Quando é meu aniversário a família se reúne. Minha mãe rememora as dores do parto, minha esposa sente a viuvez ainda longe, minha filha me aperta as mãos, celebramos todos que eu permaneci por aqui, mesmo tendo trilhado meus quilômetros por entre um campo minado cercado de abismos. Ufa! Na roleta russa das coisas que destroem o frágil corpo, sobrevivi.
Ê!!! É a festa que se faz. Me dou presente até, compro na prestação, mas me dou essa chance.
Do mesmo autor: O Flamengo que eu quero
Mas eu mesmo me agarro ao tempo que se esvai. Sobrevivi, emoções eu vivi, mas na numeração sobre o bolo, sempre me sobra um vento a dizer: um a menos. Eu fiz certa vez oito anos. Fiz certa vez vinte e nove. Fiz este ano quarenta e sete. A cada ciclo que o planeta faz no seu bambolê, eu me escorro na ampulheta, vou olhando a areia descendo, os grãos que vazam uns sobre os outros.
Mas eu mesmo me agarro ao tempo que se esvai
É… O cachorro no quintal me cheira, o chefe no trabalho me bate nos ombros, o motorista do ônibus cerra os olhos, cada um sabendo da finitude, sem até pensar nela. O bolo doce até, tão doce, perde um pouco do seu gosto. A champanha gelada perde suas bolhas, evaporam. A cada palma do “Parabéns a você” a vida – esta tão incrível experiência – se mostra apenas um bailado naquele mesmo campo minado… uma dança de horrores e delícias.
Mas quando é aniversário do Mengão, este eterno, temos todos outros pensamentos. O Mengo, na sua meninice, não correu risco de ser atropelado, não correu risco de engasgar na feijoada, não correu risco de levar bala perdida nos descaminhos. Seu aniversário não carrega deste drama. Assim como o Sol, o planeta rodou e ele apenas seguiu com a sua mania de brilhar jogando flama por todo os cantos.
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Mais fácil acabar o Brasil (país que parece escolher a eutanásia a cada ano), que acabar o Flamengo. O Flamengo persistiria, até sem cidade, estado ou país, a disputar os campeonatos que os homens do futuro vierem a inventar para que o Flamengo se alimente.
E nem há ampulheta, nem tic tac a espreitar a finitude desse imenso monstro. Flamengo faz 126 anos e fará 252, seiscentos, fará mil, e parece dar de ombros a tudo isso. E não fará cinco mil anos apenas se não houver planeta onde se jogar futebol, o que não deixa de ser uma hipótese, tendo-se em vista que os cometas ainda estão por aí.
O Flamengo persistiria, até sem cidade, estado ou país, a disputar os campeonatos que os homens do futuro vierem a inventar para que o Flamengo se alimente
E esta é a bela celebração no aniversário daquilo que nunca finda. É a celebração de quem não está descendo a ladeira da vida. E é a celebração de quem está fora da linha mesquinha do espaço/tempo: somos só nós que comemoramos, afinal, nossa sorte. Celebramos ter passado mais uma temporada ao seu lado, aos seus pés. Pois se o Mengo persiste, nós é que sumimos do mapa.
Sobreviver o quanto puder, para a cada ano celebrar neste 15 de novembro
Se não estive aqui pra ver a glória de Zizinho, a simpatia de Leônidas e a categoria de Dida, não estarei também pra ver a quinquagésima Taça Libertadores, o centésimo Campeonato Brasileiro, o milésimo Cariocão. Nisso também me pego a pensar. Apenas nisso: sobreviver o quanto puder, para a cada ano celebrar neste 15 de novembro e afinal dizer: “Estou aqui, Flamengo. Ainda estou por aqui!”.
Orra, é Mengo!
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