Os torcedores do Flamengo, vamos ser francos, estão mal acostumados. Desde 2019, o clube vive um período de vacas gordas quase sem precedentes. As contratações de grandes nomes acontecem na mesma proporção em que os balanços do clube ficam mais vistosos.
Hoje bilionário, o Flamengo já viveu épocas de vacas muito magras. Desde a década de 1960, de tempos em tempos, a torcida rubro-negra precisou se agarrar à idolatria de jogadores que davam um alívio para o sofrimento de não ter uma equipe à altura tradições flamengas.
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De Fio Maravilha a Hernane Brocador, a torcida do Flamengo tem décadas de história idolatrando jogadores que encarnaram o espírito rubro-negro dentro de campo. Alguns deles, inclusive, foram campeões. Há muitos outros, mas veja a lista que montamos.
Fio Maravilha (1964 – 1973)
Torcer para o Flamengo dos anos 1960 até a consolidação de Zico, no final dos anos 1970, foi um sofrimento. Enquanto Botafogo, Santos, Palmeiras. Cruzeiro, Atlético-MG e Fluminense tinham supertimes, o Flamengo penava. Nessa época, um mineiro dentuço era literalmente o fio de esperança para a torcida rubro-negra.
João Batista Sales chegou ao Flamengo em 1965 e ficou até 1973. Fio marcou 84 gols em 294 jogos. Ganhou mais do que perdeu, pois em oito anos venceu 127 partidas e perdeu 74. Em termos de títulos, ganhou dois campeonatos estaduais (1965 e 1972).
Em 1972, fez um golaço em um amistoso contra o Benfica, no Maracanã. Nas arquibancadas, Jorge Ben (hoje Benjor) assistia e ficou maravilhado com o lance. Compôs o clássico do Samba Rock brasileiro que levava o nome do atacante rubro-negro. Como a vida não é um conto de fadas, Fio processou o músico por uso da sua imagem, o que forçou Benjor a mudar o nome da música para Filho Maravilha.
Doval (1969 – 1975)
Argentino de Buenos Aires, Narciso Doval foi o último grande ídolo do Flamengo antes de Zico. Por seis anos, o atacante de cabelos louros compridos levou a torcida rubro-negra à loucura. Com fama de galã, Doval adorava o Rio de Janeiro e todas as delícias que a cidade maravilhosa tinha a oferecer.
Gostava tanto que não aceitou ir jogar na França, mesmo tendo recebido proposta gorda. Na época, disse que jamais deixaria o Rio para ir viver no frio. Em campo, Doval marcou 94 gols em 263 jogos. Foram 147 vitórias e 52 derrotas.
Pelo Flamengo, Doval ganhou os estaduais de 1972 e 1975. Quando saiu do Flamengo, continuou no Rio, pois foi trocado com o Fluminense junto com outros dois jogadores. Morreu de infarto em 1991, em Buenos Aires, aos 47 anos.
Fillol (1984 – 1985)
O segundo argentino da nossa lista ficou pouco tempo no Flamengo. Foram apenas 71 jogos no gol rubro-negro, mas uma identificação quase instantânea com a torcida. Ubaldo Fillol chegou ao Mais Querido em um período de entressafra. Zico estava na Udinese e o time bsucava um novo líder.
Com a moral de ter sido campeão mundial pela Argentina, em 1978, Fillol chegou ao Flamengo com a fama de ser um dos melhores do mundo na posição. Infelizmente, enfrentou o Fluminense tricampeão estadual e campeão brasileiro, em jogos sempre difíceis.
Fillol foi embora em julho de 1985, mas deixou uma marca nos rubro-negros que acompanhavam o clube naquela época. Era sensacional debaixo das traves, mas também adorava se aventurar com a bola nos pés.
Bujica (1989 – 1990)
O capixaba Marcelo Ribeiro jogou apenas 48 jogos pelo Flamengo. Mesmo assim, fez 12 gols. Vestiu o Manto Sagrado em tempos difíceis. A Era Zico estava acabando. O craque se aposentaria do futebol brasileiro naquele mesmo ano de 1989.
Para piorar, o Vasco tinha tirado Bebeto do Flamengo. O maior craque da geração pós-Zico tinha virado a casaca e agora jogava no arqui-rival. Foi nesse ambiente que Vasco e Flamengo se enfrentaram em cinco de novembro de 1989. Era o primeiro jogo de Bebeto contra o seu ex-clube.
Todo mundo esperava uma festa vascaína com vários gols de Bebeto, mas foi Bujica que brilhou. Ele marcou os dois gols rubro-negros e garantiu a vitória. Depois, o Vasco foi campeão, mas isso não interessa. O importante é que o Flamengo ganhou mais um ídolo em tempos difíceis.
Savio (1992 – 1997/2006)
O capixaba Sávio Bortolini deu azar. De talento raro, velocidade estonteante e inteligência única, sofreu muito com as características do futebol nos anos 1990. Eram tempos de faltas duras e arbitragem conivente. Sávio sofreu muito com a violência dos zagueiros adversários. Se jogasse hoje, com VAR e arbitragem muito mais rígida com a violência, seria um craque de nível mundial.
Sofreu também com a confusão que o Flamengo de Kleber Leite era. Sávio fez parte dos anos de caos do presidente e ex-radialista. Formou o melhor ataque do mundo com Romário e Edmundo, que não deu certo. Mesmo assim, até sair para o Real Madrid, em 1997, foi ídolo absoluto da Nação.
Voltou em 2006, mas não conseguiu repetir o que tinha feito nos anos 1990. No total, fez 99 gols pelo Flamengo em 261 jogos. Ganhou apenas um estadual, em 1996.
Júlio Cesar (1997 – 2004/2018)
Para muitos, Julio Cesar foi o maior goleiro já revelado nas divisões de base do Flamengo. Rubro-Negro de coração, o carioca da gema estreou ainda com 18 anos no profissional do Flamengo. De qualidade invejável debaixo das traves, mas também com a bola nos pés, Julio Cesar infelizmente jogou no Mais Querido em uma era de trevas.
O Flamengo do meio da década de 1990 até o início da década de 2010, era o clube que mais devia e provavelmente o mais desorganizado do Brasil. O clube que foi despejado. O clube que fingia que pagava e os jogadores fingiam que jogavam, como disse Vampeta.
Hoje, pode-se dizer seguramente que Julio Cesar, a camisa rubro-negra e a torcida nas arquibancadas foram os principais motivos para o Flamengo jamais ter caido para a Série B do Brasileirão. Em 287 jogos, Julio Cesar foi tetracampeão carioca (1999, 2000, 2001 e 2004), mas também campeão da Copa Mercosul em 1999.
Dejan Petkovic (2000 – 2002 / 2009 – 2011)
O gringo! Ok, o sérvio Dejan Petkovic foi campeão brasileiro em 2009, o que técnicamente não o qualifica a ser ídolo em tempos de crise no Flamengo. Mas o que muitos esquecem é que essa foi a segunda passagem do craque no Flamengo.
A primeira aconteceu entre 2000 e 2002. Uma época em que o Flamengo suava para acompanhar o Vasco bicampeão brasileiro e campeão da Libertadores. E ainda tinha o Palmeiras, Corinthians e o Santos de Robinho. Eram tempos bicudos.
Em termos de idolatria, Petkovic era tranquilamente o maior ídolo estrangeiro do Flamengo, mas ai surgiu Arrascaeta. Mesmo assim, o histórico gol do tricampeonato estadual e a campanha do Barsileiro 2009 colocam o sérvio lá em cima no panteão de imortais. No total, foram 198 jogos e 57 gols com o Manto Sagrado.
Obina (2005 – 2010)
Melhor do que o Eto’o. Precisa dizer mais? O baiano Manuel de Brito Filho jogou cinco anos no Flamengo, entre 2005 e 2010. Marcou apenas 47 gols em 182 jogos, mas sempre foi um favorito da torcida rubro-negra.
Carismático, foi muito comparado com Fio Maravilha (que também está nesta lista). Assim como o artilheiro dos anos 1970, Obina não era exatamente um primor técnico, mas tinha faro de gol. Jogou no Flamengo em uma das piores épocas do time. Foram seguidas lutas para escapar do rebaixamento, mas nenhuma pior do que a de 2005.
Naquela reta final de Brasileirão, o Flamengo precisava de um milagre. Com Papai Joel Santana no comando e Obina chegando ao clube, o Rubro-Negro conseguiu uma arrancada inexplicável para se manter na Série A. Coube a Obina marcar o gol da salvação, contra o Paraná Clube, em Curitiba, já nos acréscimos.
No Flamengo, Obina venceu uma Copa do Brasil em 2006 e um tricampeonato estadual entre 2007 e 2009. Jamais foi melhor do que o craque camaronês, que na época brilhava no Barcelona, mas ficou para sempre na memória dos torcedores do Flamengo.
Renato Abreu (2005 – 2013)
Volta e meia, o Flamengo encontra um jogador que encarna o espírito rubro-negro dentro de campo. Um cara que alia raça com futebol bonito. O paulistano Renato Abreu foi um desses caras. Dono de um petardo de perna esquerda, o Canelada caiu logo nas graças da torcida.
Renato Abreu foi outro heroi do Flamengo mal das pernas do final da década de 2000 e início da década de 2010. Com exceção do Brasileiro de 2009, conseguido graças a um alinhamento de fatores, foram anos de muito sofrimento. Das alegrias que aconteceram, muitas vieram da perna esquerda de Renato.
No total, foram 273 jogos com a camisa do Flamengo. Renato, que era uma espécie de pré-Gerson, fez o absurdo de 73 gols sendo meio-campista. Com o Manto, venceu a Copa do Brasil de 2006, o tricampeonato estadual de 2007-2009 e o Brasileirão 2009.
Hernane Brocador (2012 – 2014)
Foram apenas 87 jogos com a camisa do Flamengo, mas o baiano Hernane Vidal Souza teve um aproveitamento estarrecedor. O Brocador marcou nada menos do que 47 gols. Mais do que um a cada dois jogos. Média de ídolo e foi exatamente isso que aconteceu.
Em menos de dois anos de Flamengo, Hernane Brocador conquistou a Copa do Brasil 2013 e caiu nas graças da torcida. O Flamengo já havia iniciado a sua reestruturação administrativa e financeira, que desembocou no superclube atual.
Mas foi Hernane que iniciou tudo. Ele foi, sem dúvida, o primeiro grande ídolo desse novo Flamengo. Um clube que foi ficando mais poderoso aos poucos até se tornar a maior potência do continente americano.